"A crise é de legitimidade do Estado brasileiro"
Brasília, 13 de Junho de 2007 - Para o professor Romano, envolvimento de três Poderes dá nova dimensão à corrupção no País. O Brasil está vivendo uma crise inédita de relacionamento entre os três Poderes - que implica uma imensa indefinição do papel de cada um e o distanciamento do Estado da sociedade civil.
Brasília, 13 de Junho de 2007 - Para o professor Romano, envolvimento de três Poderes dá nova dimensão à corrupção no País. O Brasil está vivendo uma crise inédita de relacionamento entre os três Poderes - que implica uma imensa indefinição do papel de cada um e o distanciamento do Estado da sociedade civil. O Executivo governa no lugar do Legislativo com a edição excessiva de medidas provisórias, deputados e senadores chantageiam ou se vendem ao governo em troca de benefícios políticos e pessoais, e o Judiciário não é mais totalmente confiável, com ministros da Suprema Corte envolvidos em irregularidades. "Ao contrário de outros momentos da nossa história, a origem do poder é legítima - as autoridades foram eleitas pelo voto direto ou possuem os títulos de legitimidade, como os integrantes do Judiciário. Mas o exercício do poder não tem sido legítimo", afirma o filósofo e professor titular de Ética e Filosofia Política da Universidade de Campinas (Unicamp), Roberto Romano.
A sucessão de escândalos ocorrida nos últimos anos resultou num problema de legitimidade do Estado brasileiro que suscita uma série de dúvidas na cabeça dos empresários, investidores estrangeiros, trabalhadores, cidadãos da classe média. Qual a legalidade de tão elevada carga tributária - ao redor de 38% do Produto Interno Bruto (PIB) - imposta à população, se boa parte desses recursos corre pelo ralo da corrupção sem uma punição efetiva dos que operam essa subtração do dinheiro público nos vários setores do Estado? "Por essa gigantesca dimensão, o problema não é mais do governo, do Congresso ou do Judiciário, é da legitimidade do Estado brasileiro", analisa o acadêmico sobre este momento da vida nacional, em que membros do Executivo, Legislativo e Judiciário são presos pela Polícia Federal sob fortes indícios de desvio de conduta.
Mas por que um escândalo atrás do outro acontece e os brasileiros não se rebelam de forma mais contundente contra isso? Por serem passivos ou não entenderem as razões da apropriação dos bens públicos e que nunca deveriam ser apropriados pelos ocupantes de cargos no poder? Para compreender a situação atual é preciso voltar ao passado, mais propriamente à forma como o Estado brasileiro foi instituído e a relação dos Estados e prefeituras com o governo central. "Desde dom João Sexto existe uma superconcentração do poder, que está vinculada à necessidade de financiar um Estado de grandes proporções como o nosso. Portugal criou o Banco do Brasil para financiar de forma inflacionária o Estado brasileiro."
A manutenção da máquina governamental exigia que o poder central sugasse os tributos dos estados e municípios, que não retornavam facilmente para Estados e municípios. "Desde lá temos o que é tradicional na vida brasileira: o bom deputado ou senador é aquele que leva para suas bases uma ponte com verbas federais. É a lógica da imediatez da sobrevivência política. Os eleitores votam nos corruptos que pegam o pedágio do retorno dos tributos cobrados nos municípios e estados, para si mesmos. Mas a população não é corrupta por eleger os políticos corruptos que atuam dentro dessa lógica", assinala o acadêmico. Ele lembra que quem não faz isso, morre.
As imperfeições da relação do poder central com governadores e prefeitos faz parte do cotidiano da política nacional. "A cada problema, os governos estaduais e municipais querem rever o pacto federativo, que na prática nada mais é do que redividir os cerca de 70% do bolo tributário nacional que o governo federal retira dos estados e municípios", sublinha Romano. Como exemplo dessa contradição ele cita o fato de o Rio Grande do Sul estar hoje na pior situação financeira. "O governo de Yeda Crusius está em crise porque o governo federal não repassa os recursos da Lei Kandir, que trata da devolução do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços retirado das exportações. E São Paulo, o mais rico da federação, vive de pires na mão pedindo para o Palácio do Planalto liberar verbas."
Por tudo isso, estamos passando por uma das mais agudas crises do Estado brasileiro, desde a revolução de 1964. "Os militares tomaram o poder quando o País tinha uma carta constitucional, de 1946, extremamente liberal, feita depois da queda de Getulio Vargas e dos regimes de força na Europa e Japão. Havia uma perspectiva democrata no plano internacional e nacional", comenta Romano. Com a crise da República após a morte de Getulio, o Legislativo não tinha a maioria necessária para garantir o governo de Jânio Quadros, que caiu e foi sucedido pela crise da posse de João Goulart, "com as escaramuças constantes entre o Congresso e o presidente da República". Foi quando, segundo o professor da Unicamp, houve uma mudança de direção da ordem do Estado brasileiro.
"Desde o Império, o Estado era baseado no poder moderador, na Presidência da República, o que foi reforçado na ditadura Vargas. Com a Constituição de 1946, voltou a harmonia, mas em 1962, o parlamentarismo retirou prerrogativas importantes da Presidência da República. Naquele momento o Legislativo predominou sobre o Executivo, mas isso não se sustentou por causa da tradição de centralismo no Executivo. Com essa situação, a crise sse agudizou e aconteceram várias tentativas sucessivas, por meio de Leonel Brizola, que era cunhado e aliado do presidente João Goulart, no sentido de acentuar desmesuradamente o vínculo entre o presidente e as massas populares", conta Romano. Isso causou problemas seríssimos nas instituições brasileiras, de hierarquia e disciplina - a igreja católica se sentiu ameaçada com essa concorrência do Executivo junto às camadas populares e respondeu com demonstrações de poder - a Marcha da Família com Deus pela Liberdade reuniu cerca de 1 milhão de paulistas.
Ao mesmo tempo que os bispos se sentiam ameaçados na ordem hierárquica, os sargentos e cabos que tinham proximidade com os movimentos populistas e relação direta com o presidente da República. Goulart chegou a ir ao Clube Militar para prestar solidariedade aos sargentos e cabos. Logo depois, veio o golpe de Estado, a tomada de poder pela Junta Militar e a imediata eleição pelo Congresso e segundo os ritos formais da democracia, do marechal Castelo Branco. "Ali começa novamente a hegemonia do Executivo, e o Congresso fica servindo apenas como elo de ligação entre o Executivo e as bases regionais." Esse status quo durou toda a ditadura militar. Os generais presidentes não tinham a adesão das massas como Vargas, Jânio e Goulart tinham. Era um diferencial importante e, por isso mesmo, foi necessário todo um trabalho de propaganda persuasiva e cooptação de lideranças oligárquicas regionais, reorganizar a relação do poder central com as orligarquias. Neste sentido foi importante a extinção dos antigos partidos políticos e definição da Arena - governista - e do MDB, oposicionista.
Segundo o professor da Unicamp, no MDB estavam os setores oligárquicos ainda insatisfeitos com o aporte de recursos do poder central para suas regiões. Esses políticos tinham bases regionais muito fortes e, portanto, os generais presidentes não possuíam uma relação tranqüila nem com o Congresso, nem com essas lideranças regionais. Tanto é que houve o esforço da ditadura da retomada do desenvolvimento, dos planos de fazer o Brasil uma potência no médio prazo, a criação do programa nuclear.
Quando termina o período militar, o contencioso do Executivo com o Judiciário era permanente, devido a cassação de ministros da Suprema Corte - embora o Supremo Tribunal Federal não pudesse se colocar explicitamente contra a ditadura, havia uma tensão evidente entre os dois Poderes.
: "O bom deputado ou senador é aquele que traz para sua região ou cidade uma ponte, um hospital com verbas do governo federal"
(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 10)(Liliana Lavoratti)
Roberto Romano Moral e Ciência. A monstruosidade no sec. XVIII
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quarta-feira, junho 13, 2007
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