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quarta-feira, junho 06, 2007

Correio Popular de Campinas, 06/06/2007

Técnica, guerra, ética (3)


ROBERTO ROMANO

Das técnicas aos costumes, destes ao decoro e à preservação da vida humana em nível digno. Toda pessoa dedicada ao coletivo -cientista, político, professor, jornalista- deve estar aberta às modificações dos objetos postos em circulação em tempo sempre mais acelerado. É preciso prestar atenção nos costumes de quem produz ou usa os frutos do labor técnico. Leroi-Gourhan afirma que no aprendizado coletivo com o qual se formou a tecnosfera em todas as sociedades humanas, existe o empréstimo e a invenção. Só inventa quem é capaz de emprestar, e vice-versa.

A técnica tem a produção e o consumo. Ambos exigem inventividade para emprestar procedimentos novos. Quais são os limites decorosos no invento e no empréstimo? No segundo caso, surgem problemas de razzia praticada por uma sociedade contra outras, parasitismos de grupos e indivíduos. Quando um coletivo se apropria ilegalmente de saberes e técnicas de outros (comum na espionagem industrial, dando origem ao crescimento técnico do Japão, Coréia, China) ou se um indivíduo plagia a pesquisa alheia e a publica com seu próprio nome, pode-se dizer que a técnica prolonga a guerra com outros meios. A tese de Clausewitzé aplicável à geração de métodos e objetos.

No primeiro caso, sociedades entram em terrenos delicados da ética e do decôro, se autorizam pesquisas e experimentos que superar o senso comum na sua compreensão da “humanidade”. Nos próximos artigos apresentarei a fina análise de Jonathan D. Moreno, em livro que suscita perguntas sobre as técnicas e o mundo ético, em especial na guerra. Moreno serviu ao “National Human Researches Protections Advisory Committee”, onde juízos prudenciais sobre a pesquisa em seres humanos são discutidos para orientar os laboratórios, o governo e demais instituições norte-americanas. O labor de Moreno é a bioética. Suas alocuções em audiências públicas no Congresso são ouvidas com respeito e acatamento. Ele assessora múltiplos orgãos governamentais de seu país. Não se trata, pois, de um romântico e pouco instruido crítico das ciências, das técnicas, da racionalidade ocidental. É preciso acrescentar um detalhe importante, pois o autor é filho de Jacob Levy Moreno.

Surge nas entrelinhas de “Mind Wars, Brain Research and National Defense” (New York, Dana Press, 2005) o vínculo entre o autor e seu pai. Logo na primeira página, brota um relato inquietante. Jonathan expõe as lembranças de uma tarde de sábado, em 1962, quando certo ônibus escolar chega à sua casa, trazendo jovens para experiências de Moreno pai. O ônibus é o amarelinho filmado em horas dramáticas dos campi, nos pequenos e grandes assassinatos cometidos por “loucos” de metralhadora em punho. O genitor psiquiatra, diz Jonathan, era “conhecido psiquiatra, fundador de técnicas que hoje foram absorvidas pela cultura, psicodrama, terapia de grupo e sociometria”. E o que fazia, em casa tão distinta, aquela mocidade? Mais tarde o autor perguntou à sua mãe o motivo da visita. Resposta: “They were here to try LSD as part of their therapy. It didn´t work” (Estiveram aqui para tentar o LSD como parte de sua terapia. Não funcionou.) Gradativamente somos informados sobre as atividades do psiquiatra genitor e de seus colegas. As narrativas causam arrepios.

Jacob Levy Moreno serviu muito às Forças Armadas, britânicas ou norte-americanas, com a sociometria, a terapia de grupo e o psicodrama. Nada disso ele escondeu dos leitores em sua “Autobiografia” (Saraiva Ed. 1997). Enfermeiros foram assim treinados para conseguir maior eficiência na sua luta contra a morte dos que lutaram na Segunda Guerra Mundial. Soldados também receberam treinamento segundo as técnicas criadas por Moreno, para aumentar a sua capacidade letífera. Este é o núcleo da pesquisa de Jonathan D. Moreno: o uso das técnicas para ampliar, sem medidas, a força de abate dos soldados norte-americanos. Tais procedimentos são descritos minuciosamente pelo autor, dando-nos a certeza de que de fato já vivemos em pleno “Brave New World”.

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