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quinta-feira, junho 07, 2007

Autonomia universitaria.

Autonomia universitária, como o próprio nome indica, é o direito público, usufuido pelas instituições de ensino e pesquisa, para dar normas ao seu funcionamento interno. Nomos, na lingua grega significa, entre muitas coisas, "lei". Se fosse entendida a autonomia neste sentido amplo, ela seria um absurdo no Estado de direito. Muitos docentes e alunos incultos (constatei o fato em Conselhos Universitários, Comissões, etc.) afirmam que a universidade possui soberania. Sempre disse, na hora, para tais colegas, que fariam bem se estudassem um pouco mais o problema à luz do direito. A universidade não possui poder, e portanto não possui soberania. Poder supõe os três monopólios básicos, enunciados em todas as teorias políticas relevantes na modernidade. A lei é monopólio do Estado soberano. Nenhuma entidade sub estatal tem o direito de editar ou seguir leis que não tenham sido publicadas pelo Estado, sobretudo a universidade.

Quais são os monopólios do poder ? O da força física : só o poder de Estado tem o direito e o dever de controlar corpos, dando limites à sua ação. Só o poder de Estado tem a prerrogativa de prender pessoas e grupos, deter seu movimento ou, no limite, decretar a sua morte. Esta última prerrogativa pode ser exercitada pela polícia ou pelos carrascos, sempre a mando de juízes ou da autoridade pública em caso de urgência. O Estado pode (ou não) conforme decide a sua soberania, instituir a pena de morte. Só o Estado, também, pode declarar guerra e enviar soldados para os campos de batalha. O segundo monopólio é o da norma jurídica. Só o Estado pode editar leis que devem ser obedecidas por todos os cidadãos. O terceiro monopólio é o da taxação do excedente econômico na ordem dos impostos, etc.

A universidade não tem e não poder ter nenhum desses monopólios. Lembro-me bem, no Congresso de Reorganização da UNESP. Foram instauradas três comissões para estudar o funcionamento daquela universidade, na era pós-ditadura. A comissão de ensino e pesquisa estava quase entregue às moscas, com alguns professores e estudantes nela discutindo. A comissão destinada a estudar os cargos estava repleta. Todos os que para ela iam, tinham a ilusão que nomeava as suas esperanças. Eles a chamavam de "comissão sobre o poder na universidade". Alí se discutia o tempo do mandato dos diretores e reitores, etc.

Convidado a falar em palestra geral, analisei o problema dizendo que, no meu entender, não existir nenhuma soberania nem poderes na universidade verdadeira. Que a universidade, pública ou privada, só existe por vontade soberana do Estado, o qual determina as leis que a regem, os impostos que nela são alocados, ou os impostos que dela devem ser extraídos (caso seja privada), ou também alocados (no caso de bolsas governamentais aos seus estudantes). Quase fui linchado. E as acusações de "reacionarismo" cairam sobre mim de modo violento.

Mas é assim. A universidade autônoma possui a prerrogativa de não se sujeitar a nenhuma igreja, seita, partido político, facção ou entidade exterior a ela. O Estado não é exterior à universidade, mas é sobre ele e dele que ela se mantém. Assim, ela não pode ser independente do Estado. Se o Estado for fascista, comunista, ou católico, evidentemente a universidade não pode ser independente das doutrinas que dirigem a soberania de Estado. Mas se o Estado é democrático, ele não tem nenhuma doutrina que o determine, mas deve proteger as doutrinas democráticas e sancionar negativamente toda doutrina nefasta à ordem democrática. E toda doutrina nefasta à ordem democrática, por definição, evidencia a sua forma indesejável ao exigir que todo o corpo social se dobre às "verdades" de seu ideário. Toda doutrina que negue às demais o direito à existência é nefasta. A universidade, ela mesma, em regime democrático, deve ser aberta a todas as doutrinas, a todos os metodos, a todas as ciências e artes. O único critério para que tais elementos diversos sejam aceitos ou negados deve ser interno: se neles o conhecimento da natureza e do homem aumenta, efetivamente, ou não. O Estado democrático concede autonomia à universidade para que ela não seja sujeita a um dentre os vários discursos que se disputam a hegemonia na sociedade. Nela, todos os discursos devem existir como objetos de estudo, jamais como norma que obrigue este ou aquele indivíduo ou grupo se seguir certos valores, ordens, disciplina.

Se a universidade é autônoma diante das várias doutrinas que circulam na sociedade, ela não pode, também, receber ordens sobre matérias imanentes à pesquisa deste ou daquele setor social, religioso, político, etc. Os piores desastres universitários ocorreram sob a Inquisição, o nazi-fascismo, o comunismo ao modo soviético. Naquelas ocasiões a Igreja e o Estado quiseram ordenar a ordem imanente dos saberes, mandando os pesquisadores esquecer a sua autonomia e pregar "verdades" de fundo místico ou ideológico. Galileu e Lissenko são duas faces do mesmo drama.

Se a universidade deve ser autônoma dentro do Estado, ela deve ser autônoma diante de todos os partidos, micro-partidos ou seitas políticas que se manifestam nos campi. Se a universidade não precisa receber a sua rato studiorum ou as suas formas de pesquisa de governos ocasionais, ela também não precisa nem deve receber sua ratio studiorum de partidos e movimentos nanicos, como o PSTU, PSOL, ou qualquer outra seita trotskysta ou de direita como a TFP. Não obedecer o governo ou a Igreja, para obedecer humildemente os líderes de seitas, líderes que desconhecem até mesmo o sentido da palavra ensino, ou do vocábulo pesquisa, é um crime contra o sentido da universidade e um crime contra o Estado de direito democrático.

Infelizmente, os docentes que apoiam o vandalismo dos que invadem reitorias e ameaçam o Estado de direito, não se mostram autônomos, mas apenas provam que obedecem a outros senhores, os donos dos movimentos autoritários que usam os estudantes como instrumento de seus alvos políticos.

Em vez de serem autônomos, aqueles docentes que aceitam o papel de alto falante para os referidos movimentos, provam apenas que são escravos.

É o que eu tinha a dizer, por enquanto, não importa se o que digo me traga "impopularidade" nos micro partidos como o PST, e quejandos. Quando eles me aplaudem, faço como Diogenes e me pergunto qual a bobagem que acabei de dizer. Quando me apupam, como agora, tenho certeza de que enunciei coisas com pleno sentido racionál e valor ético.

E segue o Garotinho para os professores que obedecem ordens de movimentos cujos líderes são ignaros e anônimos, portanto irresponsáveis.



Roberto Romano

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