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terça-feira, julho 03, 2007

Correio Braziliense, 02/07/2007.

Quebra de decoro
Um conselho de ética duvidosa

Cientistas políticos avaliam que a instituição do julgamento de parlamentares está em xeque e faz aumentar o desencanto da sociedade

Os tropeços, trapalhadas e manobras que envolveram o Conselho de Ética no julgamento do caso Renan Calheiros colocam em risco o conceito do julgamento político no Brasil. Cientistas políticos ouvidos pelo Correio avaliam que a população está perdendo a fé na idéia de que os parlamentares são capazes de julgar e punir seus pares envolvidos em irregularidades. Alertam que esse desgaste atinge a imagem do Congresso e da democracia no Brasil.
“Tornou-se praticamente impossível confiar nesse tipo de julgamento”, diz o professor Roberto Romano, da Unicamp. “O Conselho de Ética do Senado tem sido mais baixamente político que um instrumento de política de Estado”. Ele acredita que “o caso Renan e seus desdobramentos são uma espécie de efeito colateral da estrutura política brasileira, que é centralizada em demasia e portanto oligárquica no Congresso”.
De acordo com Romano, “as próprias denúncias muitas vezes surgem de disputa entre setores dessa oligarquia pelo acesso ao caixa público e às atenções do presidente da República em exercício. Mas ao mesmo tempo em que essas denúncias surgem, há entre essas oligarquias uma espécie de pacto que assemelha-se ao das associações secretas ou da máfia. Denunciamos nosso adversário mas podemos salvá-lo se isso nos garantir mais uma parcela de poder”.
Renúncia
O consultor político Luciano Dias diz que “não há dúvida de que a própria instituição do julgamento político está em xeque”. Ele destaca que “nos países desenvolvidos, os conselhos de ética são uma arma dissuasória e de efeito moral. Têm tanto respeito que basta a ameaça de um processo para levar o político acusado a renunciar. Com isso, oferecem ao Congresso uma solução mais rápida e de menor desgaste”. No Brasil, segundo ele, os conselhos de ética da Câmara e do Senado perderam esse poder intimidatório porque não contam mais com o respeito dos políticos.
Ele avalia que a instituição deu sinais de desgaste já nos últimos escândalos que abalaram a Câmara dos Deputados como os casos do mensalão e da máfia dos sanguessugas. Nos dois exemplos, o número de acusados era tão grande que favoreceu acordos para absolvição em plenário. “Os juízes de hoje sabem que podem ser réus amanhã”, diz. “E com isso, julgam os colegas como querem ser julgados”. Esse corporativismo favorece a impunidade, em sua opinião.
O professor de Ciência Política Alberto Aggio concorda. “Essa situação reflete a dificuldade do Estado brasileiro em lidar com o corporativismo. Ele invade todas as esferas do país e mostra sua força dentro do Congresso”. Aggio acredita que “os julgamentos políticos movimentam a República e testam sua maturidade. Nesse caso, mostram que nossa República ainda não é integral”. Para o professor, esses episódios são uma demonstração aguda de mazelas do Senado e do sistema político brasileiro.


Reeleição
Os cientistas políticos mostram-se pessimistas quanto à possibilidade da opinião pública reagir com efetividade às manobras políticas dentro do Congresso. “Há uma enorme distância entre os formadores de opinião e a sociedade brasileira, como ficou demonstrado na última eleição presidencial”, quando os eleitores mais ricos e bem informados rejeitavam a reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva mas a maioria da população o apoiava. “Os formadores de opinião condenam, mas a sociedade reelege os parlamentares envolvidos nessas jogadas”.

Roberto Romano acha que essa diferença se explica pela expectativa que os eleitores têm dos políticos. Segundo ele, há dois planos. Num plano ideal, os brasileiros cobram honestidade dos homens públicos. Na prática, apoiam os que garantem verbas, obras e projetos sociais. “Os senadores deveriam ser a representação dos Estados brasileiros. Tornaram-se despachantes de governadores que vão de pires na mão pedir ajuda ao governo federal. Perderam substância e independência”.
Para ele, “o cidadão fica indignado com a corrupção, mas na hora de decidir o voto o eleitor regional premia quem leva verbas para seu Estado. Há uma certa esquizofrenia nessa opinião pública que se indigna contra os políticos, mas vota neles”.

Corporativismo


”Os juízes de hoje sabem que podem ser réus amanhã. E com isso, julgam os colegas como querem ser julgados”
Luciano Dias, consultor político




02/07/2007
Correio Braziliense

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