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quarta-feira, abril 16, 2008


CORREIO POPULAR DE CAMPINAS, 16/4/2008

INTELECTUAIS MILITANTES

Roberto Romano

Marca indelével do militante, em qualquer vertente política, é a raiva contra o pensamento. Nazistas e comunistas, nos anos 20 e 30 do século anterior, espalharam misologia dos sindicatos às universidades. A fogueira na qual livros foram destruídos sob gritos de Sieg Heil são um fruto da referida atitude mental. Misologia... termo inventado por Platão para designar quem não suporta o elemento racional, o raciocínio. Movidos por duras palavras de ordem, os militantes sentem espasmos doloridos no cérebro, se obrigados a pensar. Daí fugirem de livros, pesquisas, ciência. Se pudessem, eles gozariam dos benefícios trazidos pelos laboratórios e bibliotecas, após assassinar quem os opera. A “verdade” militante é fácil: ela se afirma, brilhante em sua obviedade, na boca ou na escrita dos líderes.

A máquina de moldar cabeças, montada no esquema totalitário, apresenta eficácia plena. Raros “quadros” deixam o Partido, movidos pela autonomia do pensamento.

Quase sempre a saída traz a marca das paixões: preterido em disputas internas, o indivíduo ou grupo rompe com a matriz e forma a filial dissidente. Os trejeitos da grande matriz são copiados na filial, especialmente o veto ao livre exame. Nenhum militante está autorizado a pensar sem, ou contra o Partido.

Vejamos os elos entre o Partido Comunista francês e os intelectuais da terra que gerou Rabelais, Voltaire e outras mentes. Após a vitória aliada contra Hitler, o Partido Comunista se transforma em polo de atração para os intelectuais. Sartre e Merleau-Ponty, na atéia Temps Modernes buscam “reencontrar o marxismo, na trilha da verdade atual e na análise de nosso tempo”. A católica revista Esprit quer ir além do marxismo e busca recolher as contribuições freudianas e as da filosofia existencial. Seu diretor, J. Lacroix, deseja “ultrapassar o comunismo”, mas garantir “o mais autêntico, no próprio comunismo”. Tal simpatia entre doutrinas fertilizou os tempos seguintes. Ela chegou, nos anos setenta do século 20, a determinados setores como o dos teólogos da “libertação”. Estes últimos quiseram unir o marxismo (“apenas” um método...) ao catolicismo. O aborto custou caro. Diz no pós guerra E. Mounier: “a tentação do comunismo é o nosso demônio familiar”. Tentação duradoura, se recordarmos os textos simplórios de Clodovis Boff, nutridos por Marta Harnecker.

No bunker comunista surge a inquisição nada santa. Roger Garaudy inicia sua carreira de aiatolá ideológico no décimo Congresso do Partido (1945) e critica os pintores filiados (entre outros, Picasso), por negligência dos anseios populares. Os artistas seriam elitistas em demasia para o gosto partidário. Mesmo Garaudy é visto, pelos dirigentes, como pessoa moderada. Em 1953 vem a ordem para que exista apenas a “literatura de partido” etc. É a era Zdanov, com o “realismo socialista”. O Sumo Sacerdote da censura interna do Partido é Casanova, próximo de Maurice Thorez. Diz sobre ele um historiador da agremiação : “Ao mesmo tempo imperioso e hábil (...) ele recorda, por vários traços, os cardeais da Cúria que intrigam sem descanso e decidem sem apelo em favor do que acreditam ser o bem de uma fé da qual são os primeiros servidores e dignatários”. Com o seu concurso foi instaurada a “Seção Ideológica” do Partido, com três ramos: instrução e educação partidária, problemas de ensino e pesquisa científica e Comissão dos Intelectuais. Surgira em 1948 a revista Nouvelle Critique, onde o realismo socialista e a indigência mental atingem o seu nível mais baixo, dirigida por Jean Kanapa, o sicofanta predileto do Escritório Político.

A imensa maioria dos intelectuais suportou o jugo, beijou a férula sobre suas mentes e vontade. Os expurgos também foram apreciáveis.

Voltarei ao assunto no próximo artigo. Para verificar as fontes usadas nesta parte, ler a Histoire du Parti Communiste Français, 1920-1976 (Fayard, 1977). Antes que algum apedeuta do petismo triunfante grite, os autores (Jacques Fauvet e Alain Duhamel) não pertencem “à direita”. O primeiro dirigiu o Le Monde e o segundo escreveu para aquele jornal.

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