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quarta-feira, abril 25, 2007

Artigo publicado no Mundo Jurídico (www.mundojuridico.adv.br) em 18.11.2003

Comentário: embora o tema "corrupção" seja o mais antigo na história da humanidade, poucas análises se preocupam com a síntese dos motivos doutrinários com a determinação jurídica nacional e internacional sobre ele. O artigo abaixo tem o grande mérito de examinar o assunto de modo claro, adiantando as bases jurídicas para o combate à leniência diante dessa grande problema. Recomenda-se a leitura lenta e meditativa do texto inteiro.

Roberto Romano

A corrupção: uma visão jurídico-sociológica

Autor: Emerson Garcia
Publicado em: 3/9/2005
A CORRUPÇÃO. UMA VISÃO JURÍDICO-SOCIOLÓGICA.

Emerson Garcia
Membro do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro


Sumário: 1. Considerações Iniciais. 2. Corrupção e Democracia. 3. Corrupção e Procedimento Eletivo. 4. Corrupção e Divisão dos Poderes. 5. Corrupção e Deficiências na Organização Estatal. 6. Corrupção e Publicidade. 7. Corrupção e Desestatização. 8. Corrupção e Responsabilidade do Agente Público. 9. Dosimetria das Sanções e Perspectiva de Efetividade. 10. Corrupção e Interesse Privado. 11. Custos Sociais da Corrupção. 12. Simulação da Licitude dos Atos de Corrupção. 13. O Redimensionamento de Práticas Privadas como Mecanismo de Contenção da Corrupção. 14. Corrupção e Globalização. 15. O Combate à Corrupção no Plano Internacional. 15.1. A Convenção Da Organização dos Estados Americanos contra a Corrupção. 15.2. A Lei Anti-corrupção da França. 16. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.


1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS.



Sob o prisma léxico, múltiplos são os significados do termo corrupção. Tanto pode indicar a idéia de destruição como a de mera degradação, ocasião em que assumirá uma perspectiva natural, como acontecimento efetivamente verificado na realidade fenomênica, ou meramente valorativa.

Etimologicamente, cor rup ção deri va do latim rum pe re, equi va len te a rom per, divi dir, gerando o vocábulo cor rum pe re, que, por sua vez, sig ni fi ca dete rio ra ção, depra va ção, alte ra ção, sendo lar ga men te coi bi da pelos povos civi li za dos.

Como já tivemos oportunidade de afirmar[1], a cor rup ção, tal qual o cân cer, é um mal uni ver sal. Combatida com empe nho e apa ren te men te con tro la da, não tarda em infec tar outro órgão. Iniciado novo com ba te e mais uma vez sufo ca da, pouco se espe ra até que a metás ta se se imple men te e mude a sede da afec ção. Este ciclo, quase que ine vi tá vel na ori gem e lamen tá vel nas con se qüên cias dele té rias que pro duz no orga nis mo social, é tão anti go quan to o homem. “O pri mei ro ato de cor rup ção pode ser impu­ta do à ser pen te sedu zin do Adão com a ofer ta da maçã, na troca sim bó li ca do paraí so pelos pra ze res ainda iné di tos da carne”.[2]

A ine vi ta bi li da de do fenô me no não pas sou des per ce bi da à pró pria Bíblia, sendo encon tra da no Êxodo, Capítulo XXIII, Versículo 8, a seguin te pas sa gem rela ti va às tes te mu nhas: “Também pre sen te não toma­rás: por que o pre sen te cega os que têm vista, e per ver te as pala vras dos jus tos.” No Deuteronomio, Capítulo 16, Versículo 18, na dis ci pli na con cer nen te aos deve res dos juí zes, está dito que “não tor ce rás o juízo, não farás acep ção de pes soas, nem toma rás pei tas; por quan to a peita cega os olhos dos sábios, e per ver te as pala vras dos jus tos”. Em Isaías, Capítulo 1, Versículos 21 a 23, é ana li sa da a cor rup ção na polis: “Como se pros ti tuiu a cida de fiel, Sião, cheia de reti dão? A jus ti ça habi ta va nela, e agora são os homi ci das. Tua prata converteu-se em escó ria, teu vinho misturou-se com água. Teus prín ci pes são rebel des, cúm pli ces de ladrões. Todos eles amam as dádi vas e andam atrás do pro vei to pró prio, não fazem jus ti ça ao órfão e a causa da viúva não é evo ca da dian te deles”.

Por ser a corrupção um fenômeno universal, nos pareceu relevante uma análise, ainda que breve, de alguns de seus principais aspectos. Além disso, o termo corrupção, aos olhos do leigo e de não poucos operadores do direito, é o elemento aglutinador das condutas mais deletérias à função pública, isto sem olvidar a degradação de caráter que indica ao mais leve exame.

Especificamente em relação à esfera estatal, a corrupção indica o uso ou a omissão, pelo agente público, do poder que a lei lhe outorgou em busca da obtenção de uma vantagem indevida para si ou para terceiros, relegando a plano secundário os legítimos fins contemplados na norma. Desvio de poder e enriquecimento ilícito são elementos característicos da corrupção.

No Brasil, como se sabe, a corrupção configura tão-somente uma das faces do ato de improbidade, o qual possui um espectro de maior amplitude, englobando condutas que não poderiam ser facilmente enquadradas sob a epígrafe dos atos de corrupção. Improbidade e corrupção relacionam-se entre si como gênero e espécie, sendo esta absorvida por aquela.[3]

Tratando-se de tema que apresenta dimensões oceânicas, procuraremos realizar, a título meramente ilustrativo, um breve esboço de sistematização das causas da corrupção e dos efeitos deletérios produzidos por sua proliferação no âmbito da atividade estatal.



2. CORRUPÇÃO E DEMOCRACIA.



A democracia, na medida em que permite a ascensão do povo ao poder e a constante renovação dos dirigentes máximos de qualquer organização estatal, possibilita um contínuo debate a respeito do comportamento daqueles que exercem ou pretendem exercer a representatividade popular, bem como de todos os demais fatos de interesse coletivo.

A partir dessa singela constatação, é possível deduzir que os regimes ditatoriais e autocráticos[4], por serem idealizados e conduzidos com abstração de toda e qualquer participação popular, mostram-se como o ambiente adequado à aparição de altos índices de corrupção.

A debilidade democrática facilita a propagação da corrupção ao aproveitar-se das limitações dos instrumentos de controle, da inexistência de mecanismos aptos a manter a administração adstrita à legalidade, da arbitrariedade do poder e da conseqüente supremacia do interesse dos detentores da potestas publica face ao anseio coletivo.

Esse estado de coisas, longe de se diluir com a ulterior transição para um regime democrático, deixa sementes indesejadas no sistema, comprometendo os alicerces estruturais da administração pública por longos períodos. Ainda que novos sejam os mecanismos e as práticas corruptas, os desvios comportamentais de hoje em muito refletem situações passadas, das quais constituem mera continuação.

O sistema brasileiro, como não poderia deixar de ser, não foge à regra. Os intoleráveis índices de corrupção hoje verificados em todas as searas do poder são meros desdobramentos de práticas que remontam a séculos, principiando-se pela colonização e estendendo-se pelos longos períodos ditatoriais com os quais convivemos.

A democracia, longe de ser delineada pela norma, é o reflexo de lenta evolução cultural, exigindo uma contínua maturação da consciência popular. O Brasil, no entanto, nos cinco séculos que se seguiram ao seu descobrimento pelo 'velho mundo', por poucas décadas conviveu com práticas democráticas.

Como desdobramento dessas breves reflexões, é possível afirmar, com certa tristeza, que a ordem natural das coisas está a indicar que ainda temos um longo e tortuoso caminho a percorrer. O combate à corrupção não haverá de ser fruto de mera produção normativa, mas, sim, o resultado da aquisição de uma consciência democrática[5] e de uma lenta e paulatina participação popular, o que permitirá uma contínua fiscalização das instituições públicas, reduzirá a conivência e, pouco a pouco, depurará as idéias daqueles que pretendem ascender ao poder. Com isto, a corrupção poderá ser atenuada, pois eliminada nunca o será.

Essa observação se faz necessária na medida em que a maior participação popular, inclusive com um sensível aumento do acesso aos meios de comunicação, pode conduzir à equívoca conclusão de que, não obstante os ventos democráticos que atualmente arejam o país, a corrupção tem aumentado. A corrupção, em verdade, sempre existiu. Em regimes autoritários, no entanto, poucos se atreviam a retirar o véu que a encobria, mostrando-lhe a face. Os motivos, aliás, são de todos conhecidos. Assim, é preciso não confundir inexistência de corrupção com desconhecimento da corrupção.

A cor rup ção está asso cia da à fra gi li da de dos padrões éti cos de deter mi na da socie da de, os quais se refle­tem sobre a ética do agen te públi co. Sendo este, normalmente, um mero 'exemplar' do meio em que vive e se desenvolve, um contexto social em que a obtenção de vantagens indevidas é vista como prática comum pelos cidadãos, em geral, certamente fará com que idêntica concepção seja mantida pelo agente nas relações que venha a estabelecer com o Poder Público. Um povo que preza a honestidade terá governantes honestos. Um povo que, em seu cotidiano, tolera a desonestidade e, não raras vezes, a enaltece, por certo terá governantes com pensamento similar.

É importante ressaltar que o próprio regime democrático possui vertentes que propiciam, ou mesmo estimulam, a prática de atos de corrupção. Em que pese à pureza de seus ideais, a democracia, muitas vezes, tende a ser deturpada por agentes que pretendem se perpetuar no poder. Um dos instrumentos comumente utilizados para esse fim é o ilegítimo repasse de recursos financeiros aos partidos políticos ou àqueles que prestigiem a postura ideológica (!?) sustentada por tais agentes, o que pode se dar de múltiplas formas: repasses de verbas às vésperas da eleição, realização de obras com a nítida intenção de promoção político-partidária e admissão de correligionários do partido em cargos em comissão, com a ilegítima permissão de que busquem sua promoção pessoal no exercício da função etc.

A corrupção é a via mais rápida de acesso ao poder. No entanto, traz consigo o deletério efeito de promover a instabilidade política, já que as instituições não mais estarão alicerçadas em concepções ideológicas, mas, sim, nas cifras que as custearam.[6]



3. CORRUPÇÃO E PROCEDIMENTO ELETIVO.



Não raro, os des vios com por ta men tais dos ges to res do patri mô nio públi co, espe ci fi ca men te daque les que ascen de ram ao poder por meio de um man da to polí ti co, são meros des do bra men tos de alian ças que pre­ce de ram à pró pria inves ti du ra do agen te.

Por certo, nin guém igno ra que o resul ta do de um pro ce di men to ele ti vo não se encon tra uni ca men te vin­cu la do às carac te rís ti cas intrín se cas dos can di da tos vito rio sos. O êxito nas elei ções, acima de tudo, é refle­xo do poder eco nô mi co, per mi tin do o pla ne ja men to de uma estra té gia ade qua da de cam pa nha, com a pro­ba bi li da de de que seja alcan ça da uma maior par ce la do elei to ra do. Esta recei ta, por sua vez, advém de finan cia men tos, dire tos ou indi re tos, de natu re za públi ca ou pri va da.

O dinhei ro públi co é inje ta do em ati vi da des político-partidárias com a uti li za ção dos expe dien tes de libe ra­ção de ver bas orça men tá rias, de cele bra ção de con vê nios às vés pe ras do plei to etc, fazen do que o admi nis­tra dor favo re ci do aufi ra maior popu la ri da de, que rever te rá para si, caso seja can di da to à ree lei ção, ou para a legen da par ti dá ria a que per ten ça, alcan çan do os can di da tos apoia dos por esta.

Tratando-se de finan cia men to pri va do, a imo ra li da de assu me pers pec ti vas ainda maio res. Estas recei tas, em regra de ori gem duvi do sa, não con subs tan ciam um mero ato de bene vo lên cia ou um abne ga do ato de exte rio ri za ção de cons ciên cia polí ti ca. Pelo con trá rio, podem ser con ce bi das como a pres ta ção devi da por um dos sujei tos de uma rela ção con tra tual de natu re za sina lag má ti ca, caben do ao outro, tão logo seja elei to, cum prir a sua parte na aven ça, que nor mal men te con sis ti rá na con tra ta ção de pes soas indi ca das pelos cola bo ra do res para o preen chi men to de car gos em comis são, na con tra ta ção de obras e ser vi ços sem a rea li za ção do pro ce di men to lici ta tó rio, ou mesmo com a rea li za ção deste em cará ter mera men te for mal, com des fe cho pre via men te conhe ci do etc.[7]

Nessa linha, é ine vi tá vel a cons ta ta ção de que a imo ra li da de detec ta da no finan cia men to da cam pa nha per mi te pro je tar, com redu zi das pers pec ti vas de erro, o com por ta men to a ser ado ta do pelo futu ro agen te públi co.[8]



4. CORRUPÇÃO E DIVISÃO DOS PODERES.



Em que pese não ser imune a críticas, a democracia é o sistema político que com maior probabilidade preserva o interesse público. A democracia, no entanto, deve estar cercada de mecanismos aptos à preservação das instituições e à prevenção da ilicitude. Nesse particular, merece realce o relevante papel desempenhado pelo sistema dos checks and balances, o qual permite que o poder venha a conter os excessos do próprio poder.

O poder de decisão, sempre que outorgado a um agente público, trará consigo a semente do abuso, que pode ou não florescer. A manutenção desse poder nos limites da lei e da razão constitui uma das finalidades a serem alcançadas pelo sistema da divisão dos poderes, evitando-se a disseminação do arbítrio e da corrupção. A partir de um controle recíproco entre as diferentes funções estatais, maior será a possibilidade de contenção dos desvios comportamentais dos agentes públicos.

O sistema dos checks and balances, em linhas gerais, possui relevância ímpar na produção normativa, permitindo a confluência de forças entre Executivo e Legislativo na edição da norma mais adequada à contenção da corrupção. É igualmente relevante no controle da execução da norma por parte da administração, que se subdivide nas vertentes judicial e legislativa, neste último caso com a possibilidade de responsabilização política dos agentes públicos.

A exemplo do que se verifica em qualquer vertente da atividade estatal, também a separação de poderes deve estar direcionada à consecução do interesse público. Assim, merecem total reprovação as normas editadas pelo Poder Legislativo com o fim, único e exclusivo, de desautorizar decisões judiciais e beneficiar agentes que integram a classe dominante.[9]



5. CORRUPÇÃO E DEFICIÊNCIAS NA ORGANIZAÇÃO ESTATAL.



A ineficiência estatal, quer seja na esfera legislativa, administrativa ou jurisdicional, é um importante fator de desenvolvimento das práticas corruptas.

Como manifestações inequívocas das falhas do aparato estatal, podem ser mencionadas: a) as decisões arbitrárias, que resultam de uma excessiva discricionariedade dos agentes públicos e desvirtuam o uso do poder, estimulando as práticas corruptas e o seu uso em benefício de terceiros; b) as conhecidas mazelas no recrutamento dos ocupantes dos cargos comissionados, que relegam a plano secundário a valoração da competência e prestam-se ao favorecimento pessoal, o que termina por estimular a corrupção em razão dos desvios comportamentais de tais agentes; c) o corporativismo presente em alguns setores do Poder, em especial no Judiciário e no Legislativo, isto sem olvidar o Ministério Público - que, no Brasil, apesar de não ostentar esse designativo, tem prerrogativas próprias de um Poder - o que em muito dificulta a investigação de ilícitos praticados pelos setores de maior primazia nesses órgãos; d) a quase que total ineficiência dos mecanismos de repressão aos ilícitos praticados pelos altos escalões do poder; e) a concentração, em determinados funcionários, do poder de gerenciar ou arrecadar elevadas receitas; e f) a tolerância, em especial na estrutura policial, das práticas corruptas.

Os desvios comportamentais que redundam em estímulo à proliferação da corrupção, na medida em que se apresentam como práticas rotineiras, ainda possuem uma dimensão mais deletéria e maléfica à organização estatal: ensejam o surgimento de um código paralelo de conduta, à margem da lei e da razão, que paulatinamente se incorpora ao standard de normalidade do homo medius. Uma vez iniciado esse processo, difícil será a reversão ao status quo, fundado na pureza normativa de um dever ser direcionado à consecução do bem de todos.

Além disso, a cor rup ção no ápice da pirâ mi de hie rár qui ca serve de fator mul ti pli ca dor da cor rup ção den tre aque les que ocu pam posi ção infe rior, desestimulando-os a ter con du ta dife ren te.

Um outro fator de estímulo à corrupção pode ser identificado na própria substância de certas normas de conduta. Como se sabe, o legislador deve ter uma visão prospectiva, pois a norma, em regra, é editada com o fim de regular situações futuras. Absorvendo as regras de experiência e valorando de forma responsável o presente, poderá o legislador estabelecer o regramento das situações que se formarão na linha de desdobramento da evolução da sociedade. A partir dessa singela equação, é possível afirmar que a produção normativa, em sua essência, não deve se afastar da realidade que pretende regular. Fosse de outro modo, bastaria transpor a legislação de um país com altos índices de desenvolvimento social e humano para outros que ressintam desses fatores para que, tal qual um passe de mágica, todos os problemas da humanidade fossem solucionados. Infelizmente, tal não é possível.

Considerando que a norma de conduta se destina a regular as relações jurídicas de determinado grupamento, em certo local e em dado período da história, sempre que o conteúdo formal da norma se distanciar da realidade que pretende regular, menores serão as perspectivas de sua efetividade. Em conseqüência, vendo-se impossibilitado de adequar seu comportamento às exigências do ordenamento jurídico, maiores serão as perspectivas de que o indivíduo trilhe o caminho da corrupção. O legislador, assim, ao dispor sobre o que deve ser, terá de atentar para o que é possível ser, isto sob pena de esvaziar o comando normativo - que se tornará inócuo ante a impossibilidade de cumprimento - e estimular a corrupção.



6. CORRUPÇÃO E PUBLICIDADE.



Como decorrência lógica de sua natureza ilícita, não se costuma conferir publicidade aos atos de corrupção. Por tal razão, é tarefa assaz difícil a realização de um estudo estatístico a respeito desse desvio comportamental dos agentes públicos. Dificuldades à parte, é digna de encômios a atividade desenvolvida pela organização não-governamental germânica, sem fins lucrativos, denominada Transparência Internacional, fundada em 1993 e que, desde 1995, estuda o problema utilizando o denominado 'índice de percepção da corrupção'.

Anualmente, a Transparência Internacional divulga um quadro analítico contendo um amplo estudo da corrupção em inúmeros países do mundo. Para tanto, são colhidas informações junto a empresários, analistas, usuários de serviços públicos e a população em geral. Como é fácil perceber, as fontes de pesquisa são inaptas a fornecer um retrato preciso da corrupção, já que, além de variarem ano a ano, são distintos os padrões ético-morais dos entrevistados, o que inviabiliza seja traçado um critério de percepção uniforme em todo o mundo. Apesar disso, trata-se de índice que em muito reflete as imagens dos países no cenário mundial, merecendo ser respeitado e divulgado.

Tomando-se como parâmetro os estudos concernentes ao exercício de 1998, os resultados não são nada animadores. Com efeito, variando o 'índice de percepção da corrupção' (CPI) em uma escala de 0 a 10[10], dos 85 países avaliados, 50 receberam uma avaliação inferior a 5 e, 20 deles, não alcançaram sequer a nota 3. Em 1999, o estudo se estendeu por 99 países.[11] Em 2002, a pesquisa foi realizada em 102 países.[12]

O objetivo principal desse estudo é expor, de forma sintética, aos dirigentes de cada um dos países pesquisados e à comunidade internacional, os diferentes graus de corrupção que degeneram suas estruturas organizacionais, o que, em um segundo momento, atuará como elemento estimulador de políticas públicas tendentes a atenuá-la.

O índice de percepção da corrupção indica a predisposição dos agentes públicos à percepção de vantagens indevidas, não indicando, com precisão, a freqüência com que tal ocorre. Isto é justificável na medida em que as empresas, por reconhecerem o caráter delituoso dessa prática, não colaboram com o fornecimento de informações dessa natureza. Por essa razão, somente em 1999 a Transparência Internacional divulgou o 'índice de pagadores de suborno' (BPI), que alcança os 19 principais países exportadores do mundo e procura refletir a freqüência com que as empresas neles situadas pagam suborno, aumentando a pontuação conforme diminuam os pagamentos.[13]

À probidade e à transparência está contraposta a corrupção. Por tal razão, o grau de corrupção também está diretamente relacionado ao denominado 'fator opacidade',[14] que pode ser expresso pela seguinte fórmula: 'Oi= 1/5 [Ci + Li + Ei + Ai + Ri]'. As variáveis da fórmula expressam as informações a seguir discriminadas:

'i= país;

O= pontuação final;

C= impacto de práticas corruptas;

L= efeito da opacidade legal e judicial;

E= efeito da opacidade econômica e política;

A= efeito da opacidade contábil; e

R= impacto da opacidade regulatória e incerteza e arbitrariedade'.



7. CORRUPÇÃO E DESESTATIZAÇÃO.



Sendo a corrupção uma conseqüência assaz comum nas hipóteses de concentração de poder, um dos instrumentos utilizados para combatê-la é a descentralização de poder.

Especificamente no que concerne à intervenção do Estado no domínio econômico, abstraindo-nos de concepções ideológicas, é possível afirmar que a sua paulatina redução importará em proporcional diminuição dos poderes dos agentes públicos, o que acarretará o estreitamento de seu campo de ação e em muito restringirá o estímulo à prática dos atos de corrupção.

O estímulo à iniciativa privada é uma importante medida de combate à corrupção. Oferecendo-se facilidades, pouco espaço sobra para que o agente público venda dificuldades. Quanto menor for a intervenção do Estado no mercado, menor será a relevância do papel desempenhado pelo agente público, o que em muito reduzirá o espaço aberto à corrupção.

Não se ignora, no entanto, que a livre concorrência, apesar de apresentar os aspectos favoráveis acima referidos, não pode ser levada a extremos. Não raro será imperativa a intervenção do Estado no domínio econômico, o que preservará a igualdade de oportunidades e reduzirá a possibilidade de dominação de mercados.

Frise-se, ainda, que a própria redução da intervenção estatal no domínio econômico tem sido fonte de incontáveis atos de corrupção, em especial para a obtenção de informações privilegiadas e conseqüente limitação da competitividade nos respectivos leilões de privatização.



8. CORRUPÇÃO E RESPONSABILIDADE DO AGENTE PÚBLICO.



Como derivação da própria noção de democracia, que congrega a idéia de representatividade de interesses alheios, deve ser prestigiada a possibilidade de responsabilização de todos aqueles que desempenhem esse munus.

Em sua essência, a responsabilidade do agente público pelos ilícitos que venha a praticar é conseqüência lógica da inobservância do dever jurídico de atuar em busca da consecução do interesse público. Dessa concepção teleológica derivam o dever de transparência e o dever de prestar contas da gestão dos recursos públicos. Descumpridos os deveres, haverá de incidir a sanção correspondente. Inexistindo sanção, ter-se-á o enfraquecimento da própria concepção de dever.

A responsabilização dos agentes públicos pode se disseminar em múltiplas vertentes, assumindo um colorido administrativo, político, penal, cível ou mesmo moral. Tais vertentes, que acompanharão a natureza do ato e a sua potencialidade lesiva no contexto social, possibilitarão a aplicação de sanções extremamente variáveis, quer seja em grau ou em essência.

A inter-relação entre as responsabilidades política e judicial (rectius: penal ou cível) merece uma breve reflexão. Como ensinam as regras de experiência, na medida em que se ascende no escalonamento hierárquico, mais remotas se mostram as possibilidades de responsabilização do agente público. Tal constatação deriva das maiores prerrogativas que a lei concede ao agente, de sua ascendência política, da possibilidade de manipulação da opinião pública, da maior disponibilidade de recursos financeiros - o que lhe permitirá uma ampla defesa (quer seja lícita ou ilícita) - e de um possível direcionamento da estrutura administrativa à consecução de seus próprios interesses. No que concerne aos agentes políticos, que normalmente ocupam o ápice do escalonamento funcional, raros são os casos de responsabilização política, o que deriva da constatação de que a própria atividade partidária, a cada dia mais ampla e organizada, tende a evitar que o Chefe do Executivo tenha contra si uma forte oposição no Parlamento, isto sem olvidar os ajustes políticos de toda ordem que são diuturnamente realizados.

Ante a ínfima possibilidade de responsabilização política, que seria um eficaz mecanismo de prevenção e repressão à corrupção, resta a responsabilização perante os órgãos judiciais, o que pressupõe a tramitação de um demorado e custoso processo e o preenchimento de requisitos específicos, como o elemento subjetivo exigido pela norma (dolo ou culpa) e o enquadramento da conduta em uma tipologia específica. A distinção entre responsabilidade política e responsabilidade judicial, conquanto clara para o operador do direito, é quase que imperceptível à população em geral. Como conseqüência, uma possível condenação judicial pode ensejar, aos olhos do leigo, o surgimento de um sentimento de ilegitimidade em relação ao Poder Judiciário, pois o agente político contou com o beneplácito dos parlamentares, que são representantes do povo, o que impossibilitou o simultâneo reconhecimento de sua responsabilidade política. Com isto, tem-se uma indesejável semente de desprestígio do aparato judicial frente à população, já que à condenação jurídica não esteve atrelada a condenação política e a necessária responsabilização moral.

Especificamente em relação à responsabilidade moral, tem-se a projeção dos efeitos da publicidade do ato no organismo social, que os absorverá e formará um juízo crítico a respeito das virtudes e dos valores ético-morais do agente público. Sua conduta tanto poderá merecer o beneplácito como o repúdio de seus pares, o que terá grande relevância nas hipóteses em que o agente, por pretender exercer a representatividade popular, dependa dos votos daqueles que tiveram conhecimento de seus atos. O juízo crítico acima referido, elemento condicionante da própria responsabilidade moral, variará em graus semelhantes à capacidade de percepção do organismo social. A disseminação da informação pressupõe uma imprensa livre (e responsável), enquanto a sua assimilação exige uma população com níveis satisfatórios de desenvolvimento social e intelectual.[15] Em um país de baixo desenvolvimento humano, como é fácil concluir, a responsabilização moral do agente é sensivelmente enfraquecida, terminando por se diluir com uma mistura infalível: o passar do tempo e um bom exercício de retórica. Frustrados os mecanismos de controle social, não resta outra alternativa senão buscar a efetividade dos instrumentos de persecução e de repressão à corrupção.



9. DOSIMETRIA DAS SANÇÕES E PERSPECTIVA DE EFETIVIDADE.



Além dos mecanismos de prevenção já mencionados, o combate à corrupção está diretamente entrelaçado à perspectiva de efetividade das sanções cominadas. A prática de atos de corrupção, dentre outros fatores, sofre um sensível estímulo nas hipóteses em que seja perceptível ao corrupto que reduzidas são as chances de que sua esfera jurídica venha a ser atingida em razão dos ilícitos que perpetrou. Por outro lado, a perspectiva de ser descoberto, detido e julgado, com a conseqüente efetividade das sanções cominadas, atua como elemento inibidor à prática dos atos de corrupção.

Ainda que esse estado de coisas não seja suficiente a uma ampla e irrestrita coibição à corrupção, seu caráter preventivo é induvidoso. Além das sanções de natureza penal, que podem restringir a liberdade individual, é de indiscutível importância a aplicação de reprimendas que possam, de forma direta ou indireta, atingir o bem jurídico que motivou a prática dos atos de corrupção: o patrimônio do agente.

Quanto maiores forem os prejuízos patrimoniais que o agente poderá suportar e mais aprimorados se mostrarem os meios de controle, menores serão os estímulos à corrupção. Essa afirmação, aparentemente simples, não deve ser interpretada como um mero exercício de retórica. À sua concreção no plano fático deve estar vinculada a efetiva existência de custo econômico para o agente que venha a sofrê-las. Esse custo econômico estará atrelado não só à perda patrimonial atual, como também à futura. A perda patrimonial futura refletirá, em especial, os ganhos que o agente deixará de receber caso venha a perder o cargo ocupado e a inabilitação para o exercício de outra função no prazo fixado em lei. Dessa constatação resulta a conclusão de que o receio do prejuízo patrimonial, verdadeiro elemento inibidor da corrupção, será tanto maior quanto mais elevada for a remuneração recebida pelo agente. Remuneração insignificante, além de atentatória à dignidade da função e comprometedora da subsistência do agente, é um indiscutível elemento de estímulo à corrupção.

Merece ser realçado que, além do aspecto jurídico das sanções, os agentes públicos, em especial aqueles que exercem função política, em muito prezam a reputação que ostentam e, uma condenação por corrupção, como se sabe, reduz sensivelmente as perspectivas de êxito em um futuro pleito.

Repita-se, uma vez mais, que é absolutamente inútil a cominação de severas sanções se os mecanismos de controle e de execução são ineficazes. O temor que reduzirá o ímpeto do agente para a prática do ilícito surge a partir da constatação de que uma sanção será inevitavelmente aplicada. Ao revés, não obstante a cominação legal, havendo a certeza de que a sanção não se efetivará, o temor se transmuda em estímulo, em muito enfraquecendo os freios inibitórios do agente.

Além do aspecto preventivo, a sensação de efetividade das sanções terá como sucedâneo a lenta e paulatina diminuição dos próprios custos com os mecanismos de controle, pois, na medida em que se difunde a repulsa à ilicitude, em menor número serão aqueles que se aventurarão à sua prática.



10. CORRUPÇÃO E INTERESSE PRIVADO.



A corrupção, a partir da relação estabelecida entre corruptor e corrompido, busca minimizar os custos e maximizar as oportunidades. Nessa perspectiva, a corrupção se apresenta como um meio de degradação do interesse público em prol da satisfação do interesse privado. O agente público, apesar de exercer suas funções no âmbito de uma estrutura organizacional destinada à consecução do bem comum, se desvia dos seus propósitos originais e passa a atuar em prol de um interesse privado bipolar, vale dizer, aquele que, a um só tempo, propicia uma vantagem indevida para si próprio e enseja um benefício para o particular que compactuou com a prática corrupta. A questão, acaso dissociada de balizamentos éticos, sendo analisada sob uma ótica meramente patrimonial, permitirá concluir que, em inúmeras oportunidades, o particular tenderá a aceitar a prática corrupta para a satisfação mais célere ou menos custosa de seu interesse privado, ainda que o interesse público termine por ser prejudicado.

Essa ausência de consciência coletiva, com a correlata supremacia do interesse privado sobre o público, é, igualmente, um poderoso elemento de estímulo à corrupção, tornando-a socialmente aceitável. Seu combate está diretamente relacionado ao desenvolvimento dos padrões educacionais e da consciência cívica da população, fatores que exigem um processo contínuo de aperfeiçoamento e que somente apresentam resultados satisfatórios a longo prazo.

Deve-se afas tar a vetus ta con cep ção de que a coisa públi ca não é de nin guém, fruto inde se ja do do per­ver so ciclo de per pe tua ção da igno rân cia popu lar[16]: povo igno ran te não se insur ge con tra o agen te cor­rup to, o agen te cor rup to des via recur sos públi cos e os afas ta das polí ti cas de con cre ção da cida da nia, o povo fica mais igno ran te e depen den te daque le que o lesou, sendo inca paz de rom per o ciclo – quan do muito, alte ra os per so na gens.

Regra geral, a cor rup ção é defla gra da por gru pos de pres são, os quais atuam de forma sis te má ti ca junto aos pode res cons ti tuí dos para a con se cu ção de seus obje ti vos, cul mi nan do em direcionar-se para aque la ver ten te sem pre que não alcan cem seus fins por meios diver sos.

Sob a ótica empresarial, a corrupção, normalmente, é vista como um instrumento necessário à manutenção da própria competitividade entre aqueles que atuam em um meio reconhecidamente corrupto. Aqueles que abdicarem da corrupção se verão em uma posição de inferioridade em relação aos competidores que se utilizam desse mecanismo, sendo possível, até mesmo, sua exclusão da própria competição (v.g.: órgão público cujos agentes fraudam com freqüência suas licitações ou que exigem um percentual do objeto do contrato para a sua adjudicação, somente permitirá que o certame seja vencido por empresa que se adeqüe ao esquema de corrupção).

O contratante beneficiado pelos atos de corrupção, não raro, deixa de cumprir os requisitos técnicos exigidos para o caso e deixa de realizar a melhor prestação, isto porque o custo da corrupção haverá de ser transferido para a execução do contrato, o que redundará em prestação com quantidade ou qualidade inferior à contratada.

As formas de corrupção - não só toleradas como estimuladas no âmbito empresarial - apresentam múltiplas variações. Dentre as mais comuns, podem ser mencionadas: a) a entrega de presentes aos agentes públicos que de algum modo possam beneficiar a empresa no exercício da função; b) a desmesurada hospitalidade na recepção dos agentes públicos; c) o custeio de despesas que recaem sobre tais agentes; d) o fornecimento de viagens gratuitas etc.

A corrupção pode se manifestar, igualmente, como projeção das alianças que propiciaram ao agente público a ascenção ao poder. Em casos tais, os benefícios auferidos pelo agente antecederam o próprio exercício da função pública, mas gerarão reflexos na atividade finalística a ser por ele ulteriormente desenvolvida. Trata-se de verdadeira corrupção diferida, na qual a vantagem recebida no presente desvirtuará a atividade administrativa em momento futuro.



11. CUSTOS SOCIAIS DA CORRUPÇÃO.



O regular funcionamento da economia exige transparência e estabilidade, características de todo incompatíveis com práticas corruptas. A ausência desses elementos serve de desestímulo a toda ordem de investimentos, que serão direcionados a territórios menos conturbados, o que, em conseqüência, comprometerá o crescimento, já que sensivelmente diminuído o fluxo de capitais.

Quanto maior for a relevância dos interesses que o agente público venha a dispor em troca das benesses que lhe sejam ofertadas, maior será o custo social de sua conduta.[17]

As políticas públicas, ademais, são sensivelmente atingidas pela evasão fiscal, que consubstancia uma das facetas dos atos de corrupção. Com a diminuição da receita tributária, em especial daquela originária das classes mais abastadas da população, diminui a redistribuição de renda às classes menos favorecidas e aumenta a injustiça social. Esse quadro ainda servirá de elemento limitador à ajuda internacional, pois é um claro indicador de que os fundos públicos não chegam a beneficiar aqueles aos quais se destinam.

Esse ciclo conduz ao estabelecimento de uma relação simbiótica entre corrupção e comprometimento dos direitos fundamentais do indivíduo. Quanto maiores os índices de corrupção, menores serão as políticas públicas de implementação dos direitos sociais.[18] Se os recursos estatais são reconhecidamente limitados, o que torna constante a invocação da reserva do possível[19] ao se tentar compelir o Poder Público a concretizar determinados direitos consagrados no sistema, essa precariedade aumentará na medida em que os referidos recursos, além de limitados, tiverem redução de ingresso ou forem utilizados para fins ilícitos.

Como os atos de corrupção normalmente não ensejam o surgimento de direitos amparados pelo sistema jurídico, já que escusos, a solução dos conflitos de interesses verificados nessa seara normalmente redunda na prática de infrações penais, o que estimula o aumento da própria criminalidade.

A corrupção, assim, gera um elevado custo social, sendo os seus malefícios sensivelmente superiores aos possíveis benefícios individuais que venha a gerar.[20]



12. SIMULAÇÃO DA LICITUDE DOS ATOS DE CORRUPÇÃO.



Não raro, a normatização de regência das relações intersubjetivas é utilizada como mecanismo de legitimação da vantagem indevida obtida com os atos de corrupção. Tal simulação pode revestir-se de inúmeras facetas. À guisa de ilustração, mencionaremos as seguintes: a) simulação de contratos de compra e venda, com objeto fictício ou com a fixação de preço superior ao valor real do bem, o que termina por conferir ares de legitimidade ao numerário que exceder o valor real; b) transferência de recursos para paraísos fiscais, nos quais a abertura das contas é realizada por meios eletrônicos, inexistindo prova contundente de que o agente é o seu titular; c) utilização de títulos ao portador ou de pessoas jurídicas - normalmente controladas por outras pessoas jurídicas sediadas no exterior e cujo acionista controlador é desconhecido; d) estabelecimento de relações fictícias entre pessoas jurídicas nacionais e estrangeiras, possibilitando a lavagem de dinheiro e a indevida remessa de divisas para o exterior; e) instrumentos procuratórios que propiciam a manipulação dos denominados 'laranjas' ou 'testas de ferro', em regra pessoas humildes e com reduzida capacidade intelectiva que assumem, formalmente, a titularidade dos bens do corrupto; f) utilização de pessoas jurídicas, normalmente sem fins lucrativos (associações e fundações) para gerir os recursos captados com a corrupção, transmitindo a falsa impressão de que sua origem é lícita e de que se destinam à satisfação do interesse social.

A tendência é que tais mecanismos venham a se proliferar, tornando cada vez mais complexa a sua compreensão e conseqüente repressão. A contenção desse estado de coisas exige que aos agentes públicos seja dispensado um tratamento jurídico diferenciado em relação aos particulares, o mesmo devendo ser feito quanto aos particulares que pretendem contratar com o Poder Público. Em casos tais, as perspectivas de efetividade das posturas preventiva e repressiva dissentem entre si em grande intensidade, sendo esta nitidamente inferior àquela.



13. O REDIMENSIONAMENTO DE PRÁTICAS PRIVADAS COMO MECANISMO DE CONTENÇÃO DA CORRUPÇÃO.



O agente público, na medida em que exerce uma função de igual natureza, deve ter uma conduta absolutamente transparente, daí a necessidade de serem amenizadas as regras que reduzem a publicidade de sua evolução patrimonial, em especial as concernentes aos sigilos bancário e fiscal.[21] Devem ser instituídos órgãos responsáveis pelo efetivo monitoramento da evolução patrimonial do agente, sempre buscando analisar a compatibilidade entre o que fora informado e a realidade fenomênica. Com isto, evitar-se-ão situações que em muito contribuem para o enfraquecimento das instituições, como na hipótese de o agente receber parca remuneração e usufruir de bens de consumo de alto custo, sem que nenhum órgão afira a desproporção entre esses dois vetores.

Determinadas operações deveriam ser necessariamente transparentes, ainda que oriundas de profissionais liberais, como os advogados, ou de instituições financeiras (v.g.: necessidade de comunicar a existência de depósitos superiores a valores que suportem o padrão médio, proscrição dos títulos ao portador e dos depósitos não identificados etc.). Como forma de proteção à intimidade, que em um Estado Democrático não pode ser concebida como um direito absoluto, o que legitima a sua ponderação com outros valores relevantes à sociedade, o acesso às informações poderia ser restrito a um órgão governamental, que seria responsável pelo cadastramento e batimento das informações coletadas.

O combate à corrupção, assim, longe de estar unicamente atrelado à existência de severas normas sancionadoras, em muito depende do redimensionamento de institutos regidos pelo direito privado, os quais, acaso utilizados com abuso de poder, inviabilizam a sua identificação e conseqüente coibição. Enfraquecidos os subterfúgios utilizados para simular a licitude do numerário obtido com a prática da corrupção, melhores perspectivas surgirão na atividade investigatória, já que sensivelmente reduzidos os meandros a serem percorridos na identificação do ilícito.



14. CORRUPÇÃO E GLOBALIZAÇÃO.



Apesar de a corrupção estar presente em praticamente todas as fases do desenvolvimento humano, o aumento das transações comerciais internacionais e o constante fluxo de capitais entre os países em muito contribui para a sua proliferação.

Por estarem alheias aos prejuízos sociais que as práticas corruptas podem acarretar, as multinacionais delas se utilizam com freqüência, buscando obter informações privilegiadas, licenças de operação, facilidades no escoamento da produção etc.

Há poucos anos, era comum que países desenvolvidos, buscando aumentar a competitividade de suas empresas, autorizassem o pagamento de 'comissões' a agentes públicos de países importadores, admitindo, inclusive, que tais valores fossem deduzidos dos tributos devidos ao fisco. Regra geral, o único elemento limitador dessa prática era o de que os atos de corrupção deveriam ser praticados fora do território nacional.[22]

Em relação ao comércio internacional, é extremamente delicada a situação das alfândegas, seara em que a corrupção, não raras vezes, é o mecanismo utilizado para encobrir inúmeras 'práticas comerciais', verbi gratia: a) a triangulação comercial, utilizada para fraudar o país de origem da mercadoria com o objetivo de submeter o produto a tratamento tributário mais favorável; b) o subfaturamento ou a aquisição de produtos novos como se usados fossem, influindo na base de cálculo do tributo; c) a aquisição de produtos proibidos (contrabando); d) a aquisição de produtos permitidos sem o correspondente recolhimento do tributo (descaminho); e e) a obtenção de isenções sem o cumprimento dos requisitos essenciais do drawback.

A globalização também se apresenta como elemento estimulador da corrupção na medida em que realça e aproxima as desigualdades de ordem econômica, social, cultural e jurídica, o que permite a coexistência de realidades que em muito destoam entre si. Com isto, tem-se um campo propício ao oferecimento e à conseqüente aceitação de vantagens indevidas, em especial quando os envolvidos ocupam pólos opostos em relação aos mencionados indicadores.



15. O COMBATE À CORRUPÇÃO NO PLANO INTERNACIONAL.



A corrupção, quer seja estudada sob o prisma sociológico ou jurídico, há muito deixou de ser concebida como um fenômeno setorial, que surge e se desenvolve de forma superposta aos lindes territoriais de determinada estrutura organizacional. Na medida em que a corrupção rompe fronteiras, expandindo-se de forma desenfreada, torna-se imperativa a existência de ações integradas e de mecanismos de cooperação entre os diferentes Estados.

Neste tópico, realizaremos uma breve referência a alguns acordos de cooperação que bem refletem a preocupação da comunidade internacional com esse deletério fenômeno. A enumeração, por evidente, não é exaustiva, e a abordagem é eminentemente ilustrativa. De qualquer modo, nos pareceu relevante a referência. Nos itens subsequentes, analisaremos, de modo um pouco mais amplo, a Convenção da Organização dos Estados Americanos contra a corrupção e os instrumentos de combate à corrupção existentes na França.

Em 13 de novembro de 1989, foi editada, pelo Conselho das Comunidades Européias, a Diretiva sobre coordenação das normas relativas às operações com informação privilegiada, que alcança tanto o setor público como o privado.

O Conselho das Comunidades Européias editou, em 10 de junho de 1991, a Diretiva nº 91/308, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para a lavagem de dinheiro. Essa diretiva, em linhas gerais, buscou combater tal prática assegurando o acesso a informações que permitissem identificar a realização de operações ilícitas com a intermediação de instituições financeiras.[23]

A Declaração de Arusha sobre Cooperação e Integridade Aduanera, celebrada na Tanzânia, em 7 de julho de 1993, sob a coordenação da Organização Mundial do Comércio, buscou adotar medidas de combate à corrupção na área aduaneira. Essa Declaração, observada por mais de 150 (cento e cinqüenta) países, estatuiu, dentre outras medidas, a necessária rotatividade entre os funcionários das alfândegas, a existência de critérios rígidos e objetivos de seleção, a redução da esfera de discricionariedade de tais agentes, o pagamento de remuneração compatível com a importância do cargo e a existência de mecanismos efetivos de controle, em especial na órbita disciplinar.

O Convênio relativo à proteção dos interesses financeiros das comunidades européias, de 26 de julho de 1995, coíbe a participação de agentes públicos em fraudes fiscais, falsificações, desvios ou retenções indevidas de fundos, prática que evitaria a redução do ingresso de receitas tributárias, em especial aquelas originárias dos impostos aduaneiros.[24] Esse Convênio, firmado com base no artigo K-3 do Tratado da União Européia, foi integrado pelo Protocolo Adicional de 21 de setembro de 1996, direcionado ao combate à corrupção dos agentes públicos.

A Organização Mundial do Comércio difundiu critérios de ordem objetiva a serem observados pelo Poder Público na contratação de obras e serviços a nível internacional, todos direcionados à transparência do procedimento licitatório. Tais diretrizes foram veiculadas no Acordo plurilateral sobre contratação pública, celebrado em Marrakech, no ano de 1996.

Em 26 de maio de 1997, foi firmado, no âmbito da União Européia, com base na alínea c da cláusula 2 do artigo K-3 do Tratado da União Européia, o Convênio de luta contra atos de corrupção nos quais estejam envolvidos funcionários das Comunidades Européias ou de Estados membros da União Européia.[25] Esse convênio já foi ratificado por inúmeros países, como França, Alemanha, Espanha, Suécia, Finlândia e Suécia.

As sucessivas medidas adotadas pela União Européia com o fim de depurar as relações mantidas entre os Estados membros, em especial aquelas estritamente relacionadas aos agentes públicos, ensejou a elaboração do Corpus juris 2000 de disposições penais para a proteção dos interesses financeiros da União Européia, sendo encontrados no texto oito tipos penais. Trata-se de uma proposta legislativa que busca unificar, no âmbito da União Européia, princípios comuns de direito penal dos Estados membros, com vistas a estatuir uma estrutura judicial comum. À guisa de ilustração, merece referência o art. 5.2 do Corpus Juris, que tipifica os atos de corrupção ativa ou passiva que possam ocasionar prejuízos a interesses financeiros dos Estados membros. [26]

Em relação às tendências verificadas no âmbito da União Européia, já são múltiplas as vozes que sustentam a necessidade de se criar um 'Fiscal Europeu Anti-corrupção', que exerceria funções inerentes ao Ministério Público, em especial as de ombudsman e de investigação de infrações penais. Com isto, serão robustecidos os instrumentos atualmente existentes, como a 'Oficina de Luta Anti-fraude', que seria supervisionada pelo referido agente.

Em 5 de maio de 1998, o Comitê de Ministros do Conselho da Europa editou a Resolução nº 7, que autorizou a criação do 'Grupo de Estados contra a Corrupção' ('GRECO - Group of States against Corruption'). O Conselho da Europa adotou, em 22 de dezembro de 1998, a ação comum 'sobre a corrupção no setor privado'.[27] Em 27 janeiro de 1999, foi firmado, pelos países integrantes do Conselho da Europa, o Convênio de Direito Penal contra a corrupção.[28] Posteriormente, em 4 de novembro de 1999, o Conselho da Europa editou o Convênio de Direito Civil sobre corrupção, segundo o qual os Estados partes deveriam adotar medidas legislativas em prol daqueles que tenham sofrido danos como resultado de atos de corrupção, permitindo a defesa de seus direitos, incluindo a possibilidade de compensação pelos danos sofridos.[29] Esses convênios, como é fácil perceber, buscavam estabelecer medidas preventivas e repressivas à corrupção em suas múltiplas vertentes, alcançando, inclusive, o setor privado, em regra o principal beneficiário de tal prática.

Trinta e três Estados integrantes da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico subscreveram, em 17 de dezembro de 1997, na Cidade de Paris, a 'Convenção de Luta Contra a Corrupção de Agentes Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais de Caráter Internacional', que considera infração penal o suborno de tais agentes.[30] Anteriormente, a OCDE já havia recomendado que não deveriam ser permitidas quaisquer deduções, em matéria tributária, das importâncias pagas a título de suborno.[31]

O Fundo Monetário Internacional, em 26 setembro de 1999, aglutinou inúmeras medidas de combate à corrupção, em matéria financeira, no 'Código sobre Boas Práticas de Transparência em Políticas Monetárias e Financeiras'. Esse Código busca tornar acessíveis ao cidadão comum, de forma simples e objetiva, as medidas econômicas, monetárias e financeiras adotadas pelos governantes.[32]

A Organização das Nações Unidas editou as Resoluções nº 50/106, de 20 de dezembro de 1995, 51/191, de 16 de dezembro de 1996, e 53/176, de janeiro de 1999, que veiculam medidas de combate à corrupção nas transações internacionais.

A Assembléia Geral das Nações Unidas, por intermédio da Resolução nº 51/59, de janeiro de 1997, veiculou um 'Código de Conduta para Funcionários Públicos', que, dentre outras medidas, estabeleceu inúmeras incompatibilidades incidentes sobre aqueles que tivessem acesso a informações privilegiadas no exercício da função. Em 21 de fevereiro de 1997, emitiu a 'Declaração sobre a Corrupção e os Subornos nas Transações Comerciais Internacionais', a qual, além de outras providências, dispôs que os Estados examinariam a possibilidade de considerar o enriquecimento ilícito de agentes públicos, incluindo os eleitos, como uma prática ilícita.[33]

A Organização dos Estados Americanos, em agosto de 1998, editou um Modelo de Legislação sobre enriquecimento ilícito e suborno transnacional, que, dentre outras sanções, previa a impossibilidade de obtenção de benefícios fiscais ou subvenções de origem pública.

Na senda das medidas anticorrupção adotadas no plano internacional, inúmeros países têm redimensionado seus sistemas de combate à corrupção. No Brasil, foi editada a Lei de Improbidade Administrativa, de 2 de junho de 1992, diploma singular e sem paralelo no mundo. Na Itália, o Código de comportamento dos empregados das Administrações Públicas, de 1993. Na França, a Lei sobre a prevenção da corrupção e a transparência da vida econômica e dos procedimentos públicos, de 29 de janeiro de 1993. Na Espanha, a Lei nº 10, de 1995, criou a Fiscalía Especial, também conhecida como Fiscalía Anticorrupción, órgão integrante do Ministério Público incumbido da repressão aos crimes econômicos relacionados à corrupção. Na Alemanha, a lei de combate à corrupção, de 20 de agosto de 1997.



15.1. A CONVENÇÃO DA ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS CONTRA A CORRUPÇÃO.



Sensíveis ao fato de que a corrupção, além de comprometer a legitimidade das instituições públicas, atenta contra a sociedade, a ordem moral e a justiça, retardando o próprio desenvolvimento dos povos, os Estados membros da Organização dos Estados Americanos (OEA) subscreveram, em 29 de março de 1996, na Cidade de Caracas, a 'Convenção Interamericana Contra a Corrupção' (CICC).[34]

Essa Convenção, como resulta de seu preâmbulo, tem por fim despertar a consciência coletiva para a existência e a gravidade do problema, estimular ações coordenadas entre os Estados para o combate aos atos de corrupção que transcendam as lindes de seu território e evitar que se tornem cada vez mais estreitos os vínculos entre a corrupção e as receitas provenientes do tráfico ilícito de entorpecentes, 'que minam e atentam contra as atividades comerciais e financeiras legítimas e a sociedade, em todos os níveis'.

O texto é especificamente direcionado à prevenção, detecção, sanção e erradicação da corrupção no exercício de funções públicas e nas atividades especificamente vinculadas a tal exercício. Considera função pública toda a atividade, temporária ou permanente, remunerada ou não, realizada por pessoa natural a serviço ou em nome da administração direta ou indireta, qualquer que seja o nível hierárquico. Funcionário público, por sua vez, é aquele que mantém vínculo com a administração, alcançando os oriundos de eleição, contratação ou aprovação em concurso público.[35]

Além de veicular normas de natureza penal e penal internacional, a CICC buscou introduzir modificações no próprio sistema administrativo dos Estados Partes, cuja atuação deveria ser necessariamente direcionada por critérios de eqüidade, publicidade e eficiência.

O art. II veicula um extenso rol de medidas preventivas que os Estados se comprometem a implementar. Por sua importância, passamos a transcrevê-las:



'1.Normas de conduta para o correto, honorável e adequado cumprimento das funções públicas. Essas normas deverão estar orientadas a prevenir conflitos de interesses e assegurar a prevenção e o uso adequado dos recursos atribuídos aos funcionários públicos no desempenho de suas funções. Estabelecerão também as medidas e sistemas que exijam dos funcionários públicos informar às autoridades competentes sobre os atos de corrupção na função pública de que tenham conhecimento. Tais medidas ajudarão a preservar a confiança na integridade dos funcionários públicos e na gestão pública.

2. Mecanismos para tornar efetivo o cumprimento das referidas normas de conduta.

3. Instruções ao pessoal das entidades públicas, que assegurem a adequada compreensão de suas responsabilidades e das normas que regem suas atividades.

4. Sistemas para a declaração de rendas, ativos e passivos por parte de pessoas que desempenham funções públicas nos cargos que estabeleça a lei e para a publicação de tais declarações nos casos correspondentes.

5. Sistemas para a contratação de funcionários públicos e para a aquisição de bens e serviços por parte do Estado que assegurem a publicidade, eqüidade e eficiência de tais sistemas.

6. Sistemas adequados para a arrecadação e o controle das rendas do Estado, que impeçam a corrupção.

7. Leis que eliminem os benefícios tributários de qualquer pessoa ou sociedade que realize ações em violação à legislação contra a corrupção dos Estados Partes.

8. Sistemas para proteger os funcionários públicos e cidadãos particulares que denunciem de boa-fé atos de corrupção, incluindo a proteção de sua identidade, de conformidade com a Constituição e os princípios fundamentais do ordenamento jurídico interno, e a legislação contra a corrupção dos Estados Partes.

9. Órgãos de controle superior, com o fim de desenvolver mecanismos modernos para prevenir, detectar, sancionar e erradicar as práticas corruptas.

10. Medidas que impeçam o suborno de funcionários nacionais e estrangeiros, tais como mecanismos para assegurar que as sociedades mercantis e outros tipos de associações mantenham registros que reflitam com exatidão e razoável detalhamento a aquisição e alienação de ativos, e que estabeleçam suficientes controles contábeis internos que permitam ao seu pessoal detectar atos de corrupção.

11. Mecanismos para estimular a participação da sociedade civil e das organizações não-governamentais nos esforços destinados a prevenir a corrupção.

12. O estudo de outras medidas de prevenção que levem em conta a relação entre uma remuneração eqüitativa e a probidade no serviço público.'



Ao menos sob o aspecto formal, inúmeras medidas preventivas de combate à corrupção já foram adotadas no Brasil: a) múltiplas unidades da Federação estatuíram códigos de conduta para os seus servidores; b) a omissão do superior hierárquico na informação dos ilícitos praticados por seus subordinados pode configurar o ato de improbidade previsto no art. 11 da Lei nº 8.429/92 e o crime de condescendência criminosa, tipificado no art. 325 do Código Penal; c) o fornecimento anual da declaração de rendas já é contemplado no art. 13 da Lei nº 8.429/92 e na Lei nº 8.730/93; d) os agentes públicos, ressalvadas algumas poucas exceções, são recrutados por meio de concurso público; e) as contratações de bens e serviços são precedidas de licitação, o que assegura a sua publicidade e eqüidade; f) a gestão das receitas do Estado, além de serem objeto de fiscalização pelas Cortes de Contas, devem render obediência aos ditames da Lei de Responsabilidade Fiscal; g) as pessoas físicas e jurídicas que se envolvam na prática de atos de corrupção, consoante o art. 12 da Lei nº 8.429/92, podem ser proibidas de contratar com o Poder Público; h) a lei contempla um programa de proteção às testemunhas; i) a todos é assegurado o direito de representação; etc. Resta, no entanto, a necessidade de que tais medidas venham a ser transpostas do plano normativo para o fático, o que ainda não ocorreu em sua inteireza.



Segundo o art. VI, a Convenção será aplicada aos seguintes atos de corrupção:

'a. requerimento ou aceitação, direta ou indiretamente, por um funcionário público ou uma pessoa que exerça funções públicas, de qualquer objeto de valor pecuniário ou outros benefícios como dádivas, favores, promessas ou vantagens para si mesmo ou para outra pessoa ou entidade em troca da realização ou omissão de qualquer ato no exercício de suas funções públicas;

b. o oferecimento ou a concessão, direta ou indiretamente, a um funcionário público ou a uma pessoa que exerça funções públicas, de qualquer objeto de valor pecuniário ou outros benefícios em troca da realização ou omissão de qualquer ato no exercício de funções públicas;

c. a realização por parte de um funcionário público ou de uma pessoa que exerça funções públicas de qualquer ato ou omissão no exercício de suas funções, com o fim de obter ilicitamente benefícios para si mesmo ou para um terceiro;

d. o aproveitamento doloso ou a ocultação de bens provenientes de qualquer dos atos a que se refere o presente artigo;

e. a participação como autor, co-autor, instigador, cúmplice, acobertador ou em qualquer outra forma na prática, tentativa de prática, associação ou confabulação para a prática de qualquer dos atos a que se refere o presente artigo.'



Além do rol mínimo de ilícitos que devem ser necessariamente coibidos pelos Estados Partes, nada impede que outros mais sejam previstos na legislação interna. Também o suborno internacional foi objeto de preocupação pela Convenção, devendo ser proibidas e sancionadas as condutas consistentes em oferecimento ou entrega de vantagens a funcionário de outro Estado, com o fim de obter a prática ou a omissão de determinado ato.[36]

O art. IX da Convenção veicula regra de relevância ímpar para a contenção da corrupção no setor público, dispondo que os Estados partes devem adotar as medidas necessárias no sentido de tipificar, como infração penal, o enriquecimento ilícito do agente público. Considerar-se-á enriquecimento ilícito, a evolução patrimonial que exceda, de forma significativa, as receitas recebidas legitimamente pelo agente em razão do exercício de suas funções e 'que não possa ser razoavelmente justificada por ele'. Nessa hipótese, como deflui dos claros termos do preceito, caberá ao órgão responsável pela persecução penal o dever de provar a desproporção entre o patrimônio e a renda do agente, enquanto que sobre este recairá o ônus de demonstrar os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos da pretensão autoral, vale dizer, a origem lícita das receitas que propiciaram tal evolução patrimonial.

No art. XI é veiculado um rol de condutas correlato aos atos de corrupção e que deve ser igualmente coibido pelos Estados partes. São elas: a) a utilização indevida de informações privilegiadas obtidas em razão ou no exercício da função; b) o uso indevido, em proveito próprio ou de terceiros, de bens a que o agente teve acesso em razão ou no exercício da função; c) o comportamento de agentes estranhos à administração que busquem obter desta uma decisão que lhes propicie um benefício ilícito em detrimento do patrimônio público; d) o desvio de finalidade, quer seja em benefício próprio ou de terceiro, no emprego de bens ou valores que tenha recebido em razão ou no exercício da função.

Outra importante regra contemplada na Convenção é a de que a sua incidência independe da produção de prejuízo patrimonial para o Estado, o que é um indicativo de que a preservação da moralidade administrativa foi um dos vetores que nortearam a sua elaboração.[37] A obtenção de vantagens indevidas, em razão da função, é um indicativo da degradação moral do agente, ainda que não seja divisado qualquer dano ao erário.

Buscando a efetividade de seus preceitos, dispõe a Convenção que os Estados Partes devem colaborar entre si na identificação, no rastreamento, na indisponibilidade e no confisco dos bens obtidos com infringência aos seus preceitos.[38] Para tanto, nem mesmo o sigilo bancário pode ser erigido como óbice a tal cooperação.[39]

A Convenção está sujeita a ratificação dos Estados partes,[40] sendo admissível a formulação de reservas[41] e a denúncia por qualquer dos Estados.[42]



15.2. A LEI ANTI-CORRUPÇÃO DA FRANÇA.



O direito positivo francês inaugurou uma nova fase no combate à corrupção com a edição da Lei nº 93-122, de 29 de janeiro de 1993 (JO de 30/01/1993, p. 1.588 e ss.), 'relativa à prevenção da corrupção e à transparência da vida econômica e dos processos públicos'.[43]

Os seis primeiros artigos da Lei, que não estão situados sob um título específico, tratam da instituição de um novo serviço administrativo, vinculado ao Ministério da Justiça, que é encarregado de centralizar e analisar as informações úteis à prevenção da corrupção, encaminhando-as ao Procurador-Geral da República em sendo detectada a prática ilícita.[44] Esse Service Central busca suprir uma das grandes deficiências detectadas no combate a esse tipo de ilícitos: a pulverização de informações entre órgãos desvinculados entre si, o que confere maior lentidão à sua circulação e compromete a efetividade das medidas a serem adotadas. Iniciativa semelhante já fora divisada com a edição da Lei nº 90-614, de 12/07/1990, JO de 14/07/1990, p. 8.329), que instituíra a estrutura denominada de TRACFIN (Service de traitement du renseignement et d'action contre les circuits clandestins). Essa estrutura detinha alguns poderes investigatórios, sendo-lhe assegurado o anonimato de suas fontes de informação, e lhe era interdito utilizar os dados obtidos para fins outros que não a luta contra a lavagem de capitais oriundos do tráfico de entorpecentes.[45] Sobre o Service Central instituído pela Lei Anti-corrupção recai o dever de fornecer informações aos órgãos legitimados a obtê-las, expedir recomendações e disponibilizar os serviços de auditores ao Ministério Público e ao Poder Judiciário em matéria financeira. A forma de exercício desses poderes deve ser disciplinada pelo Conselho de Estado[46], o que foi feito com a edição do Decreto nº 93-232, de 22/02/1993, JO de 24/02/1993, p. 2.937.

O primeiro título da Lei dispõe sobre o financiamento das campanhas eleitorais e dos partidos políticos.[47] Nesse particular, o sistema francês evoluiu da seguinte forma: a) até 1988 - proibição total de doações; b) de 1988 até 1990 - permissão de doação aos candidatos a cargos do Legislativo e à Presidência, sendo prevista, inclusive, a possibilidade de deduções fiscais; c) de 1990 até 1993 - permissão de doação também aos partidos políticos; e d) a partir da Lei Anti-corrupção - é admitida a doação, mas são instituídos mecanismos rígidos de publicidade, o que inclui o dever de publicar uma relação das pessoas, físicas e jurídicas, responsáveis pelos repasses financeiros. Com essa última medida, possibilitou-se a própria identificação dos setores sociais com os quais os candidatos e os partidos se comprometeram no curso da campanha. Em que pese à insistência de algumas vertentes políticas, em especial daquelas de colorido socialista, foram consideradas 'irreais' e 'inexeqüíveis' as propostas que preconizavam a proibição do financiamento privado, devendo a atividade partidária ser custeada unicamente com os recursos repassados pelo erário.

Ainda em relação ao financiamento das campanhas e dos partidos, a Lei Anti-corrupção instituiu dos critérios para o repasse de recursos públicos, os quais coexistiriam com aqueles de origem privada: a) parte da receita seria repartida entre os partidos que, nas eleições nacionais, apresentaram candidatos em pelo menos cinqüenta circunscrições eleitorais; e b) a outra parte seria repartida proporcionalmente ao número de parlamentares que foram eleitos pela legenda partidária.

O segundo título veicula inúmeras medidas de transparência das atividades econômicas, alcançando: a) a contratação de publicidade[48] - estabelecendo mecanismos para a identificação das receitas auferidas pelas agências que intermediam as negociações entre o anunciante e o veículo de comunicação, somente sendo admitida a percepção de remuneração atribuída àquele, com o que se busca assegurar a lealdade para com o contratante; b) o urbanismo comercial[49] - estabelecendo critérios objetivos de aferição e evitando que as dificuldades no atendimento aos requisitos exigidos para a urbanização de 'grandes superfícies' atuem como estímulo à corrupção (é a denominada 'gestão da raridade', que faz com que a menor oferta aumente a corrupção entre os incorporadores e os políticos locais); c) as delegações de serviço público e as contratações públicas, ainda que estabelecidas com empresas vinculadas ao Poder Público,[50] tornando obrigatória a concorrência e a transparência do procedimento, o que restringirá a contratação direta às hipóteses de ausência de proposta ou no caso de a administração não aceitar, por desvantajosa, aquela formulada; e d) as atividades imobiliárias,[51] disciplinando as cessões de terrenos e do direito de construir das coletividades locais ou das sociedades de economia mista locais, bem como o dever de disponibilizar equipamentos públicos (praças, escolas etc.) nas áreas construídas.

O terceiro título veicula disposições relativas às coletividades locais[52], garantido-lhes a possibilidade de explorarem diretamente algumas atividades de interesse público, prevendo a expedição de avisos, pelas cortes regionais de contas, buscando orientar a execução orçamentária, veiculando normas de controle das sociedades de economia mista locais, dispondo sobre o cumprimento das decisões judiciais que fixem astreintes, submetendo os políticos locais à competência da Corte de Disciplina Orçamentária e criminalizando qualquer obstáculo oposto ao exercício dos poderes das Cortes de Contas ou das Câmaras Regionais de Contas, sendo cominada pena pecuniária.

O descumprimento das normas veiculadas pela Lei nº 93-122 poderá acarretar a nulidade do ato e a apuração da responsabilidade do infrator perante o órgão competente, em regra com a adoção de medidas de caráter penal.



16. CONSIDERAÇÕES FINAIS



A corrupção, como se intui por essas breves linhas, é fenômeno que há muito se dissociou da individualidade dos sujeitos imediatos de sua prática: corruptor e corrompido. Os atos de corrupção, a um só tempo, além de inerentes à própria natureza humana, se disseminaram por todo o organismo social, o que permitiu a transposição das fronteiras estatais e a própria globalização dessa prática.

Não obstante universal, as conseqüências e a aceitabilidade da corrupção variam conforme o referencial de análise: em países de população esclarecida e com consciência coletiva, a corrupção se desenvolve em patamares nitidamente inferiores àqueles verificados nos países em que, além de comum o analfabetismo, o interesse privado relega a plano secundário a satisfação das necessidades coletivas. Educação e civismo são eficazes indicadores dos graus de corrupção presentes em qualquer estrutura estatal.

A degeneração de caráter do agente público gera conseqüências muito mais graves que a mera omissão ou retardamento de um ato, ou mesmo a obtenção de uma vantagem que não encontre correspondência na renda auferida legitimamente pelo agente. A corrupção, em verdade, corrói o próprio alicerce do Estado de Direito, pois associa as instituições à ilicitude, transmudando em corriqueiro aquilo que, por essência, é excepcional. Aquilo que é formalmente ilícito passa a ser materialmente lícito, já que incorporado aos padrões comportamentais de grande parte da população.

Se grande parte da população entende ser normal o oferecimento de benesses a um agente público em troca de um comportamento favorável, é inevitável a incorporação de tal prática aos padrões do homo medius, o que acarretará a sua paulatina degradação. Considerando que em um país democrático o governante ascende do próprio organismo social, é fácil perceber os valores que tal agente trará consigo ao assumir o ônus de atuar em prol do interesse público. E o pior, na medida em que indivíduos moralmente degradados ascendam aos estamentos mais elevados da organização estatal, será inevitável a degradação de boa parte daqueles que ocupam um escalão inferior na pirâmide hierárquica.

As implicações da corrupção com o crime organizado e os efeitos deletérios por ela provocados no próprio Estado de Direito serviram de estímulo à edição de inúmeras normas com o fim de coibi-la, inclusive no plano internacional. No direito interno, a maior parte das medidas legislativas adotadas busca instituir instrumentos que permitam anular os atos oriundos de práticas corruptas, bem como responsabilizar o agente no plano político, administrativo e, principalmente, criminal. No direito internacional, os tratados e demais atos de natureza similar, em regra, prevêem a necessidade de repressão criminal aos atos de corrupção, comprometendo-se os Estados partes a adotar as medidas legislativas tendentes a esse fim. Esse quadro demonstra o grande avanço ocorrido no Brasil com a edição da Lei nº 8.429/92, também denominada 'Lei de Improbidade', que dispôs sobre um extenso rol de sanções a serem aplicadas aos agentes públicos que apresente desvios comportamentais incompatíveis com a gestão da coisa pública. Tais sanções têm natureza cível e serão aplicadas por um órgão jurisdicional, o que demonstra que o sistema brasileiro, por acrescer um novo sistema de combate à corrupção dentre os já tradicionais, figura entre os mais avançados do mundo.

Apesar disso, não obstante a previsão normativa, a chama da impunidade ainda está acesa, já que freqüentes e vigorosas as tentativas de deformar a Lei nº 8.429/92 e inviabilizar a sua efetivação, isto sem olvidar uma grande parcimônia na aplicação das sanções cominadas ao ímprobo.

Dentre as tentativas de se retirar a efetividade da Lei nº 8.429/92, pode ser mencionada a alteração introduzida pela Medida Provisória nº 2.225/45 no art. 17 da Lei de Improbidade, que, além de contribuir para a máxima postergação do aperfeiçoamento da relação processual, em muito dificultando o próprio recebimento da inicial, chega a permitir que o juiz, antes mesmo da produção de qualquer prova por parte do autor, se convença da inexistência do ato de improbidade e rejeite a ação, segundo alguns, com julgamento antecipado do próprio mérito.

Outro exemplo é a persistência daqueles que lutam por estender às ações de improbidade o foro por prerrogativa de função previsto na esfera criminal.[53] Acostumados com essa regra de exceção que, ao nosso ver, sequer deveria existir em um País que se diz democrático, sonham em transferir à esfera cível a impunidade que assola a seara criminal. Não que a impunidade também não seja a regra em termos de combate à improbidade, mas, sim, porque os arautos da 'tese da prerrogativa' há muito perceberam que são grandes as perspectivas de alteração desse quadro. Pergunta-se: quem deseja a manutenção do status quo, a população ou aqueles que se acostumaram e pensam em institucionalizar a confortável sensação de liberdade que a garantia da impunidade lhes causa? Alguém seria ingênuo o suficiente para não perceber as conseqüências que a pretendida alteração legislativa causaria no combate à improbidade? Basta afirmar que as investigações e a conseqüente propositura das ações deixariam de ser realizadas por milhares de Promotores de Justiça e Procuradores da República e passariam a ser concentradas nas mãos de alguns poucos Chefes institucionais, diga-se de passagem, escolhidos pelo Chefe do Executivo, o que acrescenta um indesejável componente político à estrutura organizacional do Ministério Público - mau-vezo que os defensores da 'tese da prerrogativa' teimam em não extirpar.

Rui Barbosa[54], com a perspicácia e o aguçado espírito crítico que sempre o caracterizaram, proferiu lição que parece ter sido escrita com os olhos voltados para o futuro: 'Todos são iguais perante a lei. Assim no-lo afirma, no parágrafo seguinte, êsse artigo constitucional (Art. 72, § 2º, da Constituição de 1891). Vêde, porém, como os fatos respondem à Constituição. Na Grã-Bretanha, sob a coroa de Jorge V, o arquiduque herdeiro da coroa d’ Áustria é detido na rua e conduzido à polícia como contraventor da lei, por haver o seu automóvel excedido à velocidade regulamentar. As mesmas normas se observavam no Brasil, sob o cetro de D. Pedro II, quando o carro do imperador era multado, por atravessar uma rua defesa. Num e noutro caso a lei é igual para todos: todos são iguais ante a lei. Mas no Brasil dêstes dias, debaixo do bastão do Marechal Hermes, o seu secretário, por duas vêzes, quando um guarda-civil lhe acena ao motorista com o sinal de aguardar, enquanto se dá passagem a outros carros, apeia irriminado, toma contas ao agente da lei, nota-lhe o nome, e imediatamente o manda punir com a demissão. Noutra ocasião é um general do Exército, que salta, iracundo e decomposto, do veículo, ameaçando com o seu revólver o policial que ousou exigir do automóvel menor celeridade na carreira. Êsses exemplos, da mais alta procedência, verificados e registrados pelos jornais, na metrópole brasileira, desmascaram a impostura da igualdade entre nós, e mostram que valor tem, para os homens da mais eminente categoria, entre as influências atuais, como para os que mais perto estão do chefe do Estado, as promessas da Constituição. Essas potências, no seu insofrimento dos freios da legalidade, nem ao menos evitam os escândalos da rua pública, ou observam a compostura ordinária da boa educação. É uma selvageria que nem o verniz suporta do mais leve decoro.'

Esse estado de coisas, que assume um colorido todo próprio em países como o Brasil, não passou despercebido à organização não-governamental Human Rights Watch, que no relatório correspondente ao ano de 1994 afirmou: 'embora muitos países na região sejam governados por regimes que se formaram a partir de eleições, a América Latina tem o direito de esperar mais de suas incipientes democracias: mais participação nos processos de decisão, mais transparência nas ações governamentais e mais respostas das instituições estatais, particularmente daquelas que são designadas para a proteção dos direitos dos cidadãos. Para nós, um governo não pode chamar a si próprio democrático ao menos que seus agentes sejam responsáveis por suas ações; suas Cortes e Promotores sejam protetores dos direitos dos cidadãos e ofereçam respostas para as injustiças; seu Governo permita e encoraje o desenvolvimento de independentes organizações da sociedade civil; e os conflitos políticos e sociais sejam geralmente resolvidos de forma pacífica'.[55]

Obstáculos à parte, a Lei de Improbidade tem promovido significativas alterações comportamentais dos agentes públicos. Essa eficácia transformadora, ainda que muitas vezes desacompanhada de uma efetividade jurídica, não lhe pode ser negada. Esse fato, por si só, já é suficiente para conferir maior concretude à outrora vã esperança de uma administração proba e comprometida com o bem-estar da população.

Há mais de vinte anos, a conceituada Revista Justitia publicava pequenino artigo, de autoria do então 'Promotor Público' João Benedito de Azevedo Marques, intitulado 'O Papel do Promotor na Sociedade Democrática'[56]. Na ocasião, em suas concisas, porém profundas reflexões, afirmava o articulista que 'não basta somente combater a criminalidade comum, fruto da desordem e da injustiça social, se continuarmos a desconhecer ou a tratar olimpicamente o crime de colarinho branco. Esses criminosos não são deserdados da sorte e, além de bem nutridos, na sua grande maioria cursaram a universidade e usaram do conhecimento adquirido para, cinicamente, roubar o País, envenenar os produtos alimentícios, os medicamentos, os cursos d'água, ganhar milionárias concorrências públicas, mediante o uso de expedientes ilícitos, enriquecer a custa do prévio conhecimento da alta do dólar, usar a administração pública para a colocação de parentes, amigos e apanigüados, provocar falências fraudulentas, grilar a terra de posseiros, promover a indústria dos loteamentos clandestinos, vender ações de companhias estatais de maneira duvidosa, destruir nossas florestas, exterminar índios, violar, sistematicamente, os direitos humanos, enfim, praticar aqueles atos de todos conhecidos, mas nunca punidos'.

Decorridos mais de vinte anos desde a publicação do referido artigo, questiona-se: alguma coisa mudou? Se omitíssemos a informação, alguém perceberia que já se passaram tantos anos desde a publicação do artigo? As respostas, por certo, todos as conhecem. Nossa esperança, no entanto, é que daqui há vinte anos não sejamos obrigados a reconhecer a humilhante verdade de que nada mudou... Esperamos, sinceramente, que o belo artigo de João Benedito de Azevedo Marques, publicado no início de 1980, e estas despretensiosas linhas, elaboradas no limiar de 2003, sirvam, daqui a vinte anos, tão-somente para lembrar um passado de triste memória para os brasileiros.



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COMO CITAR ESTE ARTIGO:



GARCIA, Emerson. A Corrupção. Uma visão jurídico-sociológica. Disponível na Internet: .




Artigo publicado no Mundo Jurídico (www.mundojuridico.adv.br) em 18.11.2003





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[1] Cf. Improbidade Administrativa, 1ª parte, 1ª ed., 2ª tiragem, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 131.

[2] Cáio Tácito, “Moralidade Administrativa” (RDA 218/2, 1999).

[3] A Lei nº 8.429/92, regulamentando o art. 37, § 4º, da Constituição da República, considerou atos de improbidade as condutas praticadas por agente público, no exercício da função, que importem em enriquecimento ilícito, dano ao patrimônio público ou violação aos princípios regentes da atividade estatal. Praticando tais atos, de natureza cível e que serão apreciados por um órgão jurisdicional, estará o agente sujeito às sanções cominadas no art. 12 da denominada Lei de Improbidade: suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, perda dos bens adquiridos ilicitamente, dever de reparar o dano, proibição de contratar com o Poder Público ou receber incentivos fiscais ou creditícios e multa.

[4] O regime autocrático se distingue do liberal na medida em que seus lineamentos básicos advém de um grande número de normas, produzidas de forma livre pelo poder político e que regem todos os domínios da esfera social, de modo que os mecanismos de controle da produção normativa e a margem deixada à autonomia, individual ou coletiva, englobando os direitos, liberdades e garantias, é em muito enfraquecida. Cf. Francis Hamon, Michel Tropper e Georges Burdeau, Droit Constitutionnel, 27ª ed., Paris: Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, 2001, p. 87.

[5] Segundo Eduardo A. Fabián Caparrós ('La Corrupción Política y Económica: Anotaciones para el Desarollo de su Estudio', in La Corrupción: Aspectos Jurídicos y Económicos, org. por Eduardo A. Fabián Caparrós, 2000, p. 18), 'por todo ello, la dimensión política de la corrupción no cabe resolverla tan sólo desde las garantías formales, sino, sobre todo, desde el fomento entre el cuerpo social de una democracia militante. Recordando a Löwenstein, si no se trasciende desde lo meramente semántico al ámbito de lo normativo, los mecanismos de control carecerán de contenido y, por ello, de eficacia. Frente a esa contracultura, es preciso edificar uma cultura de la participación ciudadana que no se resigne a convivir día a día com el cohecho, favoreciendo la intervención de particulares y colectivos comprometidos en la lucha contra la corrupción'.

[6] De acordo com o Relatório Nolan, elaborado no Reino Unido a partir de informações colhidas nos anos de 1994 e 1995, em virtude de inúmeros escândalos veiculados pelos meios de comunicação, o paulatino aumento da desconfiança da população nos agentes públicos é um fator de desestabilização do próprio sistema democrático, o que torna imperativo que práticas corruptas sejam severamente perquiridas e punidas.

[7] Esse fenômeno, evidentemente, não é setorial. Dworkin (Sovereign Virtue, The Theory and Practice of Equality, 4ª tiragem, London: Harvard University Press, 2002, p. 351), ao discorrer sobre 'política americana e o século que termina', não exitou em afirmar que 'nossos políticos são uma vergonha, e o dinheiro é a raiz do problema. Nossos políticos precisam, angariam e gastam mais e mais dinheiro em cada ciclo de eleições. O candidato que tenha ou angarie mais dinheiro, como as eleições do período de 1998 demonstraram mais uma vez, quase sempre vence. Funcionários começam a angariar dinheiro para a próxima eleição no dia seguinte à última, e freqüentemente dispensam mais tempo e dedicação a essa tarefa do que àquela para a qual foram eleitos. Além disso, eles gastam a maior parte do dinheiro que arrecadaram com publicidades na televisão, que são normalmente negativas e quase sempre inertes, substituindo slogans e canções como argumento. De mais dinheiro precisam os políticos para serem eleitos, e mais eles precisam de ricos contribuintes, e mais influência cada contribuinte terá sobre suas decisões políticas uma vez eleito'.

[8] No direito brasileiro, as exce ções cer ta men te exis tem, mas sua ocor rên cia é tão insig ni fi can te que dis­pen sa comen tá rios que des bor dem do mero regis tro, moti vo pelo qual nos limi ta re mos a ele. Para evi tar esses efei tos dele té rios, é impres cin dí vel que seja con fe ri da maior efe ti vi da de aos meca nis mos de pro te­ção à mora li da de pre vis tos na legis la ção elei to ral, os quais, infe liz men te, são cui da do sa men te pre pa ra dos para que pou cos efei tos pos sam gerar. Citando-se ape nas um exem plo, pode-se men cio nar o lapso de três anos de ine le gi bi li da de pre vis to na Lei Complementar no 64/90, a que estão sujei tos aque les que incor re rem em abuso de poder polí ti co ou eco nô mi co pra ti ca do em detri men to do pro ce di men to ele ti vo. Levando-se em conta que as elei ções são qua drie nais, não são neces sá rias maio res diva ga ções para se con cluir que caso o agen te con cor ra sem pre a deter mi na do cargo, a san ção de ine le gi bi li da de nunca será apli ca da, pois os três anos come çam a fluir a con tar da elei ção em que o abuso fora pra ti ca do, o que torna a apli ca ção da san ção res tri ta às situa ções em que o agen te pre ten da con cor rer a cargo diver so, cuja elei­ção seja rea li za da no triê nio.

[9] No Brasil, país de democracia incipiente e opinião pública embrionária, os desvios da função legislativa ainda são freqüentes. Para citarmos apenas um exemplo, merece ser lembrado o caso do Senador da República que utilizou o serviço gráfico do Senado Federal para confeccionar calendários contendo a sua imagem, com ulterior envio aos cidadãos do Estado no qual possuía domicílio eleitoral, tudo em pleno ano eleitoral. Reconhecido o abuso de autoridade pelo Tribunal Superior Eleitoral (Caso Humberto Lucena, RO nº 12.244, rel. Min. Marco Aurélio, j. em 13/09/1994, RJTSE vol. 7, nº 1, p. 251) e mantida a decisão pelo Supremo Tribunal Federal (STF, Pleno, RE nº 186.088/DF, rel. Min. Néri da Silveira, j. em 30/11/1994, DJ de 24/02/1995, p. 3696), o Legislativo pouco tardou em praticar um dos mais deploráveis atos surgidos sob a égide da Carta de 1988. Trata-se da Lei nº 8.985, de 7 de fevereiro de 1995, diploma que merece ser transcrito por bem representar a degradação moral da classe dominante à época: 'Art. 1° É concedida anistia especial aos candidatos às eleições gerais de 1994, processados ou condenados ou com registro cassado e conseqüente declaração de inelegibilidade ou cassação do diploma, pela prática de ilícitos eleitorais previstos na legislação em vigor, que tenham relação com a utilização dos serviços gráficos do Senado Federal, na conformidade de regulamentação interna, arquivando-se os respectivos processos e restabelecendo-se os direitos por eles alcançados. Parágrafo único. Nenhuma outra condenação pela Justiça Eleitoral ou quaisquer outros atos de candidatos considerados infratores da legislação em vigor serão abrangidos por esta lei. Art. 2° Somente poderão beneficiar-se do preceituado no caput do artigo precedente os membros do Congresso Nacional que efetuarem o ressarcimento dos serviços individualmente prestados, na conformidade de tabela de preços para reposição de custos aprovada pela Mesa do Senado Federal, excluídas quaisquer cotas de gratuidade ou descontos. Art. 3° Esta lei entra em vigor na data de sua publicação, aplicando-se a quaisquer processos decorrentes dos fatos e hipóteses previstos no art. 1° desta lei. Art. 4° Revogam-se as disposições em contrário'. Um país cuja classe política tem a coragem (ou o desatino!) de idealizar, discutir, votar, aprovar, sancionar e publicar uma lei como essa, certamente ainda tem um longo caminho a percorrer.

[10] O CPI (Corruption Perception Index) varia consoante a probabilidade de que os particulares, quando realizem negócios nos países estudados, sejam instados a entregar determinado numerário como suborno, sendo menor a pontuação obtida conforme aumente tal probabilidade.

[11] Como anota María Victoria Muriel Patino ('Economía, Corrupción y Desarrollo', in La Corrupción: Aspectos Jurídicos y Económicos, org. por Eduardo A. Fabián Caparrós, 2000, pp. 27/28), o índice de percepção da corrupção 'se basa en 17 encuestas y estudios diferentes realizados por 10 instituciones independientes, y sólo se incluyen en el índice aquellos países para los que existen datos procedentes de, al menos, 3 fuentes diferentes, razón por la que es posible que los países incluidos en los índices cambien de año en año. En 1999, los 10 países mejor situados fueron Dinamarca - com um CPI de 10 - Finlandia - 9.8-, Nueva Zelandia, Suecia -ambos 9.4-, Canadá, Islandia - 9.2-, Singapura -9.1.-, Países Bajos -9.0-, Noruega y Suiza - 8.9-. En el mismo año, los 10 peores resultados fueron para Camerún -su CPI fue de 1.5 -, Nigeria -1.6-, Indonesia, Azerbaiyán -ambos 1.7-, Uzbekistán, Hunduras -1.8-, Tanzania -1.9-, Yugoslavia, Paraguay y Kenia -2.0-. En el número 22 de la tabla encontraríamos a España con un CPI de 6.6, al igual que Francia, por debajo de Chile - en el número 19, con un CPI de 6.9 - y por delante de otros países latinoamericanos como Perú -número 40, CPI 4.5-, Brasil -45 y 4.1-, México -61 y 3.4- o Colombia - número 72, CPI 2.9'-.

[12] O índice de percepção da corrupção (CPI) relativo ao ano de 2002 apresentou os seguintes resultados: 1º) Finlândia -9.7-, 2º) Dinamarca - 9.5-, 3º) Nova Zelândia - 9.5-, 4º) Islândia -9.4-, 5º) Singapura e Suécia -9.3-, 7º) Canadá, Luxemburgo e Holanda -9.0-; 10º) Reino Unido -8.7-;,(...) 40º) Costa Rica, Jordânia, Maurício e Coréia do Sul -4.5-, 44º) Grécia; 45º) Brasil, Bulgária, Jamaica, Perú e Polônia -4.0-; 50º) Gana -3.9-, 51º) Croácia -3.9-, (...) 98º) Angola, Madagascar e Paraguai -1.7-, 101º) Nigéria -1.6- e 102º) Bangladesh -1.2.

[13] Tomando-se como parâmetro o BPI (Bribe Payers Index) de 1999, os países com melhor colocação são os seguintes: Suécia -9.3 pontos-, Austrália, Canadá -8.1. para ambos-, Áustria -7.8-, Suíça -7.7- e Holanda -7.4. Os piores, por sua vez, são China -3.1-, Coréia do Sul -3.4-, Taiwan -3.5-, Itália -3.7-, Malásia -3.9- e Japão -5.1. Em 2002, a linha de pesquisa foi ampliada e os índices foram os seguintes: 1º) Austrália -8.5-, 2º) Suécia e Suíça -8.4-, 4º) Áustria -8.2-, 5º) Canadá -8.2-, 6º) Holanda e Bélgica -7.8-, 8º) Reino Unido -6.9-, 9º) Singapura -6.3-, 10º) Alemanha - 6.3-, 11º) Espanha -5.8-, 12º) França -5.5-, 13º) Estados Unidos -5.3-, (...) 20º) China -3.5-, e 21º) Rússia -3.2. Quanto às atividades mais propícias à corrupção entre os funcionários públicos, eis os dados de 2002: obras públicas e construção -1.3-, armamento e defesa -1.9-, petróleo -2.7-, área imobiliária -3.5-, telecomunicações -3.7-, (...) e agricultura -5.9, sendo esta última a que apresenta a menor probabilidade de práticas corruptas.

[14] Cf. estudo apresentado no Congresso Nacional de Jovens Lideranças Empresariais, Ética e Transparência para o Aperfeiçoamento Contínuo da Sociedade, apud, Lincoln Magalhães da Rocha, 'Probidade Administrativa, Eqüidade, e Responsabilidade Fiscal e Social num Mundo Globalizado', in Revista do Tribunal de Contas da União nº 92/312, 2002.

[15] Uma valoração responsável do comportamento do agente público exige breves reflexões em torno da noção de moral crítica. Enquanto a moral comum apresenta dissonâncias compatíveis com uma sociedade pluralista, não sendo divisada, em linha de princípio, qualquer compromisso com a justificação de seus conceitos, a moral crítica resulta de um iter procedimental destinado a conferir racionalidade às conclusões que dela defluam. Para maior desenvolvimento do tema, vide H. L. A. Hart, Law, Liberty and Morality, Stanford: Stanford University, 1997.

[16] Nas palavras de Konrad Hesse (in Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha, 1998, p. 133), 'em tudo, democracia é, segundo seu princípio fundamental, um assunto de cidadãos emancipados, informados, não de uma massa ignorante, apática, dirigida apenas por emoções e desejos irracionais que, por governantes bem-intencionados ou mal-intencionados, sobre a questão do próprio destino, é deixada na obscuridade'.

[17] Conforme conclusões exaradas em estudo realizado pelo Banco Mundial, publicado na Revista Veja nº 1.491, de 14/03/2001, acaso diminuídos os níveis de corrupção pela metade, acarretariam eles a redução dos seguintes fatores de arrefecimento social: a) mortalidade infantil - 51%; b) desigualdade na distribuição de renda - 54% e c) porcentagem da população que vive com menos de dois dólares por dia - 45%. Além disso, ressalta que 'a diferença básica entre os países não é a existência da corrupção, mas a forma de puni-la. Há, neste particular, diferenças culturais. No Japão, país opaco, políticos e empresários que são flagrados recebendo regalos em troca de benefícios se matam de vergonha. Na Itália, perdem o poder. Na Arábia Saudita, perdem a mão. Em Cingapura, paraíso da transparência, são condenados à morte.'

[18] Cf. Agostin Gordillo, 'Un Corte Transversal al Derecho Administrativo: La Convención Interamericana Contra la Corrupción', in LL 1997-E, p. 1.091.

[19] Vide Ernest W. Böckenförde, Los Derechos Fundamentales Sociales en la Estructura de la Constitución, in Escritos sobre Derechos Fundamentales, trad. de Juan Luis Requejo Pagés, Baden-Baden: Nomos, 1993, p. 72 e ss.

[20] Como lembra María Victoria Muriel Patino ('Economía, Corrupción y Desarrollo', in La Corrupción: Aspectos Jurídicos y Económicos, org. por Eduardo A. Fabián Caparrós, 2000, pp. 27/28), alguns sustentam a existência de aspectos positivos nas práticas corruptas: 'Hay que destacar que no todos los analistas concluyen que la corrupción produce efectos indiscutiblemente negativos sobre la economía, si bien la postura que defiende que los efectos netos son positivos es cada vez más minoritaria. En este sentido, algunos autores señalan que la corrupción em ocasiones mitiga - aunque no elimina - el problema de la pobreza, al permitir que algunos ciudadanos escapen a legislaciones demasiado restrictivas que les impedirían todo acceso a determinados bienes y actividades - economía sumergida, construcción ilegal de vivendas... - que proporcionan un cierto bienestar. También se argumenta que la corrupción puede incluso dar lugar a un mayor crecimiento económico, dado que los individuos corruptos generalmente disponen de mayor renta y, por tanto, de mayor capacidad para realizar inversión productiva. En cualquier caso, no puede pasarse por alto el hecho de que ambos argumentos únicamente tienen um sentido parcial, no generalizable. Incluso aceptando que pequeños actos de corrupción puedan mejorar puntualmente el bienestar de algunos de los individuos más pobres, no cabe duda de que existen numerosas formas de afrontar el problema subyacente de distribuición de la renta más adecuadas que la tolerancia de la corrupción.'

[21] No Brasil, a Lei nº 8.730/93 - que dispõe sobre a obrigatoriedade de apresentação da declaração de bens e rendas para o exercício, no âmbito da União, de cargos nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, bem como no Ministério Público - prevê, em seu art. 1º, § 2º, IV, que o Tribunal de Contas publicará, 'periodicamente, no Diário Oficial da União, por extrato, dados e elementos constantes da declaração'.

[22] Essa prática foi acolhida por inúmeros países europeus na década de 70, podendo ser mencionados a Alemanha e a França. Neste último País, a exclusão do crédito tributário era precedida de um procedimento confidencial, instaurado no âmbito do Ministério das Finanças, no qual o exportador 'negociava' a exclusão pretendida e fornecia, em obediência ao Código Geral de Impostos, o 'nome, prenome, função e endereço do beneficiário' do pagamento (Christophe Guettier, La Loi Anti-corruptión, Paris, Éditions Dalloz, 1993, p. 40). Nos Estados Unidos da América, esse tipo de comportamento foi proibido com a edição do Foreign Corrupt Practices Act de 1977, cuja Seção 162 (Internal Revenue Code) dispõe que os pagamentos efetuados a funcionários estrangeiros não poderão ser deduzidos nos casos em que a legislação do país de origem desses últimos os considerem ilegais. Esse diploma aperfeiçoou o sistema americano, que já contava com a lei sobre organizações corruptas e negócios ilícitos (RICO - Racketeer Influenced and Corrupt Organizations, 18 U.S.C. Secs. 1962 e ss.), que buscou combater a máfia, e com a lei que autorizava o confisco das vantagens auferidas com o suborno (18, U.S.C. Sec. 3.666). Em 1997, quase 40 países integrantes da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico subscreveram a Convenção de luta contra os subornos a funcionários públicos estrangeiros em transações comerciais de caráter internacional e que recomendava não fossem permitidas quaisquer reduções, em matéria tributária, das importâncias pagas a título de suborno.

[23] Na Espanha, a diretiva redundou na edição da Lei nº 19, de 28 de dezembro de 1993, que impôs inúmeras obrigações às instituições financeiras. No caso de descumprimento, a depender da gravidade da conduta, que pode ser grave ou muito grave, são previstas as sanções de advertência privada, advertência pública, multa, suspensão do empregado responsável pela prática indevida, inabilitação para o exercício de funções em instituições financeiras e revogação da autorização para operar. Essa Lei foi regulamentada pelo Real Decreto nº 925, de 9 de junho de 1995.

[24] Trata-se de Convênio composto por 13 artigos: art. 1º) elenca inúmeras condutas que consubstanciam fraude contra os interesses financeiros das Comunidades Européias e dispõe sobre a obrigação de os Estados membros traslada-las ao direito penal interno; art. 2º) necessidade de as sanções penais serem efetivas, proporcionais e dissuasórias, devendo ser prevista, ao menos em relação à fraude grave, penas privativas de liberdade que possam dar lugar à extradição, sendo admissível, quanto às fraudes leves, sanções mais brandas; art. 3º) consagra a responsabilidade penal dos dirigentes de empresa, com poderes de decisão ou controle, ainda que a fraude seja praticada por uma pessoa submetida a sua autoridade, desde que atue em nome da empresa; art. 4º) estabelece regras de competência para a persecução das infrações; art. 5º) o Estado membro que não conceda a extradição deve adotar as medidas necessárias à coibição das infrações, ainda que praticadas fora do seu território; art. 6º) estabelece regras de cooperação quanto à investigação das infrações penais, ao cumprimento de diligências judiciais e à execução das sanções aplicadas; art. 7º) veda, ressalvadas algumas exceções (v.g.: fatos que constituam crime contra a segurança ou outros interesses essenciais do Estado membro e ilícito praticado por funcionário de Estado membro que importe em descumprimento das obrigações do cargo - sendo afastada a incidência das exceções no caso de processamento ou deferimento do pedido de extradição), a persecução do mesmo fato em Estados membros diferentes nos casos em que a sanção já tenha sido cumprida, esteja em vias de ser executada ou não possa ser executada segundo as leis do Estado que a impôs; art. 8º) dispõe sobre a competência do Tribunal de Justiça da União Européia; art. 9º) consagra a possibilidade de os Estados membros adotarem disposições cujo alcance seja maior que aquelas do convênio; art. 10) dispõe sobre o dever de comunicação, à União Européia, dos textos adotados no âmbito do direito interno em cumprimento ao convênio; art. 11) trata da entrada em vigor do Convênio, o que ocorrerá noventa dias após a notificação pelo Estado membro que, em último lugar, implemente, no âmbito do direito interno, as medidas necessárias à sua adoção; art. 12) contempla a possibilidade de adesão por outros Estados que venham a se tornar membros da União Européia; e art. 13) o depositário do Convênio será o Secretário-Geral do Conselho da União Européia.

[25] Esse Convênio é integrado por 16 artigos: art. 1º) estabelece o conceito de funcionário, gênero que engloba os funcionários comunitários e nacionais; art. 2º) define o crime de corrupção passiva, que se consuma com o recebimento de vantagem ou com a mera promessa; art. 3º) define o crime de corrupção ativa; art. 4º) dispõe que a prática de crimes de corrupção por altas autoridades nacionais será perquirida de modo similar àquele relativo às autoridades da Comunidade Européia; art. 5º) dispõe que, sem prejuízo das medidas disciplinares, as sanções penais cominadas aos crimes de corrupção, além de poderem ser idênticas àquelas, o que reflete a independência entre as instâncias, deverão ser proporcionais e dissuasórias, incluindo, ao menos em relação aos casos graves, penas privativas de liberdade que podem dar lugar à extradição (o que não exclui, sequer, os nacionais); art. 6º) consagra a responsabilidade penal dos dirigentes de empresa, com poderes de decisão ou controle, ainda que o crime de corrupção seja praticado por uma pessoa submetida a sua autoridade, desde que atue em nome da empresa; art. 7º) estatui diretrizes para a fixação da competência do órgão jurisdicional; art. 8º) dispõe sobre a extradição, inclusive de nacionais; art. 9º) estabelece regras de cooperação quanto à investigação das infrações penais, ao cumprimento de diligências judiciais e à execução das sanções aplicadas; art. 10) veda, ressalvadas algumas exceções (v.g.: fatos que constituam crime contra a segurança ou outros interesses essenciais do Estado membro e ilícito praticado por funcionário de Estado membro que importe em descumprimento das obrigações do cargo), a persecução do mesmo fato em Estados membros diferentes nos casos em que a sanção já tenha sido cumprida, esteja em vias de ser executada ou não possa ser executada segundo as leis do Estado que a impôs, sendo garantida, nas hipóteses em que a persecução seja admitida, a detração da pena já cumprida; art. 11) consagra a possibilidade de os Estados membros adotarem disposições cujo alcance seja maior que aquelas do convênio; art. 12) dispõe sobre a competência do Tribunal de Justiça da União Européia; art. 13) trata da entrada em vigor do Convênio, o que ocorrerá noventa dias após a notificação pelo Estado membro que, em último lugar, implemente, no âmbito do direito interno, as medidas necessárias à sua adoção; art. 14) contempla a possibilidade de adesão por outros Estados que venham a se tornar membros da União Européia; art. 15) somente admite a formulação de reservas quanto ao art. 7º, cláusula 2 (normas de competência) e ao art. 10, 2 (situações que justificam a persecução de um mesmo fato mais de uma vez); e art. 16) o depositário do Convênio será o Secretário-Geral do Conselho da União Européia.

[26] Além da pena privativa de liberdade, a condenação pela prática das infrações penais constantes do Corpus Juris, a depender da gravidade, pode ensejar a divulgação do decreto condenatório em publicações da União Européia, a impossibilidade de receber subsídios, a vedação de contratar com o Poder Público, a proibição de exercer função pública por até cinco anos e a perda dos bens auferidos com o ilícito (art. 14 - Penalties and measures).

[27] A Ação Comum é composta de 10 artigos: art. 1º) define pessoa, pessoa jurídica e descumprimento das obrigações; art. 2º) define o crime de corrupção passiva no setor privado, que está associado ao recebimento de vantagem ou à promessa de recebê-la, em razão de uma ação ou omissão relacionada ao exercício da atividade empresarial; art. 3º) define o crime de corrupção ativa no setor privado; art. 4º) necessidade de as sanções penais serem efetivas, proporcionais e dissuasórias, devendo ser prevista, ao menos nos casos graves, penas privativas de liberdade que possam dar lugar à extradição; art. 5º) dispõe sobre a responsabilidade das pessoas jurídicas, sem prejuízo da responsabilidade penal das pessoas físicas, em relação aos atos de corrupção praticados por pessoa que ostente um cargo de direção ou que ostente poder decisório, bem como sobre a responsabilidade dos subordinados em relação aos atos de corrupção ativa advindos do descumprimento do dever de vigilância que recai sobre os superiores hierárquicos; art. 6º) as pessoas jurídicas poderão estar sujeitas, dentre outras sanções de caráter penal ou administrativo, à exclusão do recebimento de vantagens ou ajudas públicas, à proibição temporária ou permanente de desenvolver atividades comerciais, à vigilância judicial e à medida judicial dissolutória; art. 7º) estatui diretrizes para a fixação da competência do órgão jurisdicional; art. 8º) dois anos após a entrada em vigor da Ação Conjunta, os Estados membros apresentarão propostas visando à sua efetividade e, três anos após a sua entrada em vigor, o Conselho da União Européia avaliará o seu cumprimento pelos Estados membros; art. 9º) a Ação Comum será publicada no Diário Oficial; e art. 10) entra em vigor na data da publicação.

[28] O Convênio é composto de 42 artigos. Dentre outras disposições, estatui alguns conceitos (art. 1º) e um rol de condutas que devem ser tipificadas como infrações penais pelos Estados partes (corrupção no setor público, corrupção em transações internacionais, corrupção no setor privado, corrupção de organizações internacionais, tráfico de influências e lavagem de dinheiro - arts. 2º usque 14) .

[29] A implementação do Convênio será monitorada pelo GRECO - Group of States against Corruption (art. 14).

[30] Dispõe o Convênio que os atos de corrupção devem sujeitar os envolvidos a penas privativas de liberdade, a extradição, a sanções pecuniárias e ao perdimento do que auferissem com o ilícito (art. 3, incisos 2 e 3). Além disso, poderiam os Estados partes, de forma adicional, cominar outras sanções cíveis ou administrativas. Por força desse Convênio, inúmeros Estados realizaram adequação em sua legislação penal. A Espanha, por meio da Lei Orgânica nº 3, de 11 de janeiro de 2000, alterou o Código Penal de 1995 para introduzir, após o Título XIX ('Delitos contra la Administración Pública'), o Título XIX BIS ('Delitos de corrupción en las transacciones comerciales internacionales'), constituído por um só artigo. O Brasil ratificou a convenção por meio do Decreto Legislativo nº 125, de 14 de junho de 2000, sendo posteriormente promulgada pelo Decreto nº 3.678, de 30 de novembro de 2000. Consoante o art. 1º, caput, desse último decreto, a convenção 'deverá ser executada e cumprida tão inteiramente como nela se contém', ressaltando, em seu parágrafo único, que 'a proibição de recusa de prestação de assistência mútua jurídica, prevista no Artigo 9, parágrafo 3, da Convenção, será entendida como proibição à recusa baseada apenas no instituto do sigilo bancário, em tese, e não a recusa em decorrência da obediência às normas legais pertinentes à matéria, integrantes do ordenamento jurídico brasileiro, e a interpretação relativa à sua aplicação, feitas pelo Tribunal competente, ao caso concreto'. Incorporada a Convenção ao direito interno, foi editada a Lei nº 10.467, de 11 de junho de 2002, que acresceu o Capítulo II-A, intitulado 'Dos Crimes Praticados por Particular contra a Administração Pública Estrangeira', ao Título XI do Código Penal, sendo referido capítulo integrado por três artigos. Além disso, acresceu um inciso VIII ao art. 1º da Lei nº 9.613/98, que dispõe sobre os 'crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores'.

[31] Tal recomendação foi expedida em 23 de maio de 1997: 'The Council, (...) I. Recommends that those Member Coutries which do not disallow the deductibility of bribes to foreign public officials re-examine such treatment with the intention of denying this deductibility. Such action may be facilitated by the trend to treat bribes to foreign officials as illegal'.

[32] Dentre as práticas sugeridas com o fim de aumentar a transparência e diminuir a corrupção, estão: acesso dos cidadãos às informações financeiras do Poder Público, necessária apresentação de contas pelos funcionários dos organismos financeiros estatais, imperativa publicidade das decisões relacionadas à política financeira; transparência no exercício da função pública e definição de responsabilidades e objetivos dos bancos centrais. Um exemplo de materialização das diretivas veiculadas pelo Código de boas práticas do FMI é a Lei de Responsabilidade Fiscal brasileira, de 4 de maio de 2000, que, entre outras medidas, em inúmeros preceitos estimula a ideologia participativa (arts. 48, 51, 56, § 3º e 67).

[33] '(...) Member Sates, individually and through international and regional organizations, taking actions subject to each State's own constitutional and fundamental legal principles and adopted persuant to national laws and procedures, commit themselves: (...) 7. To examine establishing illicit enrichment by public officials or elected representatives as na offence.'

[34] O Brasil ratificou a Convenção em 25 de junho de 2002 (Decreto-Legislativo nº 152), sendo ela posteriormente promulgada pelo Decreto nº 4.410, de 7 de outubro de 2002 (DOU de 08/10/2002), sofrendo pequena alteração redacional por força do Decreto nº 4.534, de 19 de dezembro de 2002. A única reserva feita à Convenção refere-se ao art. XI, 1, c ('art. XI. '1. A fim de impulsionar o desenvolvimento e a harmonização das legislações nacionais e a consecução dos objetivos desta Convenção, os Estados Partes julgam conveniente considerar a tipificação das seguintes condutas em suas legislações e a tanto se comprometem: (...) c. toda ação ou omissão realizada por qualquer pessoa que, por si mesma ou por interposta pessoa, ou atuando como intermediária, procure a adoção, por parte da autoridade pública, de uma decisão em virtude da qual obtenha ilicitamente, para si ou para outrem, qualquer benefício ou proveito, haja ou não prejuízo para o patrimônio do Estado.' Segundo o art. 1º do Decreto nº 4.410/02, a convenção 'será executada e cumprida tão inteiramente como nela se contém'. Em outros países, a ratificação da Convenção foi muito mais célere: na Argentina, por exemplo, tal se deu com a Lei nº 24.759, sancionada em 4 de dezembro de 1996 e promulgada em 13 de janeiro de 1997 (B.O. de 17/01/1997).

[35] Vide art. I.

[36] Vide art. VIII.

[37] Vide art. XII.

[38] Vide art. XV.

[39] Vide art. XVI.

[40] Vide art. XXII.

[41] Vide art. XXIV.

[42] Vide art. XXVI.

[43] Esse diploma legal aperfeiçoou e deu continuidade às ações que buscavam moralizar a vida política, econômica e financeira na França. Anteriormente a ele, já haviam sido editadas inúmeras leis com idêntico objetivo: a) leis que buscavam regulamentar o financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais (Lei Orgânica nº 88-226 e Lei nº 88-227, de 11/03/1988, JO de 12/03/1988, p. 3.288, concernentes à transparência financeira da vida política; Lei nº 90-55, de 15/01/1990, JO de 16/01/1990, p. 639, que tratava da limitação das despesas eleitorais e do esclarecimento do financiamento das atividades econômicas); b) Lei nº 89-531, de 02/08/1989, JO de 04/08/1989, que reformou os poderes da Comissão de Operações da Bolsa; c) Lei nº 90-614, de 12/07/1990, JO de 14/07/1990, JO de 14/07/1990, p. 8.329, concernente à repressão à lavagem de dinheiro originário do tráfico de entorpecentes; e d) Lei nº 91-3, de 03/01/1991, JO de 05/01/1991, p. 236, que dispunha sobre o controle das contratações públicas.

[44] Art. 2º da Lei nº 93-122, de 29/01/1993.

[45] As atribuições do TRACFIN foram ampliadas pelos arts. 72 e 73 da Lei nº 93-122, de 29/01/1993.

[46] Art. 6º da Lei nº 93-122, de 29/01/1993.

[47] Arts. 7º usque 17 da Lei nº 93-122, de 29/01/1993.

[48] Arts. 20 usque 29 da Lei nº 93-122, de 29/01/1993.

[49] Arts. 30 usque 37 da Lei nº 93-122, de 29/01/1993.

[50] Vide, respectivamente, arts. 38 usque 50 da Lei nº 93-122, de 29/01/1993.

[51] Arts. 51 usque 71 da Lei nº 93-122, de 29/01/1993.

[52] Arts. 72 usque 81 da Lei nº 93-122, de 29/01/1993.

[53] Em 28 de junho de 2002, período em que o País estava eufórico com a participação da seleção brasileira no campeonato mundial de futebol, foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 6.295/02, que introduzia alteração no art. 84 do CPP determinando que a prerrogativa de foro assegurada a determinados agentes na esfera criminal prevaleceria no âmbito cível em relação às ações de improbidade. Essa estranha alteração, que inseria na lei adjetiva penal normas de competência de natureza cível, na forma em que foi concebida, sequer seria submetida a votação no plenário, permitindo o seu imediato encaminhamento ao Senado. Os parlamentares, no entanto, acostumados com uma realidade diferente daquela em que vivemos hoje, não contavam com a enérgica indignação dos mais diversos setores da sociedade, que, pouco a pouco, não mais vêem a desonestidade e a má-fé com ares de normalidade. Roberto Romano, professor de ética e filosofia na Unicamp, em artigo intitulado 'Contra o foro privilegiado dos políticos', publicado na Folha de São Paulo de 16/07/02, seguindo o pensamento de Rousseau, assim se pronunciou: 'se o governo recebe do soberano as ordens que dá ao povo, para que o Estado esteja num bom equilíbrio, é preciso, tudo compensado, que haja igualdade entre o produto ou a potência do governo tomado em si mesmo e o produto ou a potência dos cidadãos, que são soberanos de um lado e súditos de outro. Os atos que geram mais poder aos governantes e desequilibram a igualdade do Estado destroem a base política. Se os dirigentes usam artifícios legais para fugir da igualdade e usurpam o poder soberano, eles diminuem a majestade do Estado e negam a universal força de constrangimento legítimo. Quando os administradores agem assim, o grande Estado se dissolve, formando-se um outro no seu interior, composto só pelos membros do governo, e que é para o resto do povo apenas seu senhor e seu tirano' ('Do Abuso do Governo e de Sua Inclinação para Denegar'). No Brasil, a reunião dos políticos que hoje exije para si o estatuto de República autônoma, superior à dos cidadãos, representa pequena minoria. Mas ela causa estragos consideráveis, como neste ensaio para outorgar foro privilegiado aos governantes. Até 9 de agosto (data limite para colheita das assinaturas necessárias e interposição de recurso para o plenário), saberemos se aumentou o número dos cidadãos da república, ou o condomínio particular dos políticos. As oposições e mesmo os que apoiam os dirigentes, mas são democratas, podem afastar o golpe. Caso contrário, em pouco tempo o Brasil será um imenso Espírito Santo, um Estado que prova, de modo cabal, o que significa o privilégio dos administradores, em detrimento dos contribuintes'. Lamentavelmente, o projeto terminou por ser convertido na Lei nº 10.628/02, o qual teve a sua inconstitucionalidade suscitada perante o Supremo Tribunal Federal.

[54] In Sylvino Gonçalves, 'Rui Barbosa: coletânea forense para os estudantes de direito, Igualdade perante a Lei, Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 1959, p. 99.

[55] Apud Flávia Piovesan, in Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, São Paulo: Max Limonad, 1996, p. 288.

[56] Justitia nº 110/140.

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