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quinta-feira, abril 26, 2007

Na coluna Toda Midia da Folha de Sao Paulo, 26/04/2007

DISTENSÃO

De um lado, Lula se encontra com Tasso Jereissati, nomeia Mangabeira Unger ministro etc., no que Eliane Cantanhêde chamou na Folha Online de busca da "unanimidade", que no caso "não tem nada de burra". De outro, Boris Casoy recebe José Dirceu na JBTV (esq.) e em seguida FHC. E Alexandre Machado, na Cultura, recebe até João Paulo Cunha (dir.).



COMENTÁRIO:

Há bom tempo recebo críticas e castigos variados por empregar o nome exato ao discutir assuntos éticos e políticos. Sigo a escola do Renascimento, inspirando-me sobretudo em Montaigne e Rabelais. Aqueles escritores não foram hipocritamente corretos, como a grande maioria dos nossos autores. Montaigne e Rabelais conheciam o latim e o grego e práticamente inventaram a lingua francêsa. Sabiam perfeitamente as dificuldades encerradas na fala e na escrita. Conheciam Platão muito bem. Assim, Montaigne indica a distância insuperável entre a realidade e a lingua: "Há o nome e a coisa: o nome não é uma
parte da coisa ou da substância, é uma peça estranha unida à coisa, e fora dela" (Ensaios, II, 16). O mesmo é dito, em forma poética no Romeu e Julieta shakespereano: "What’s in a name? That which we call a rose, by any other name would smell as sweet." Esta desconfiança, oferta dos céticos, previne os dogmatismos ideológicos, religiosos, políticos, artísticos, morais. O fetiche da palavra é arrancado na raiz. O pedante que decora frases e livros é irmão gêmeo do inquisidor. Para ambos existem as palavras e as coisas devem a ela se adaptar. Não por acaso outro renascentista, Francis Bacon, em enunciado metodológico citado no intróito da Critica da Razão Pura por I. Kant, clama para que os cientistas falem das coisas, e não de si mesmos, ou melhor, de sua lingua. "De nobis ipsis silemus: de re autem quae agitur petimus, ut homines eam non opinionem sed opus esse cogitent; ac pro certo habeant, non sectae nos alicujus aut placiti, sed utilitatis et amplitudinis humanae fundamenta moliri."(Novum organum). A escravidão diante da letra e da palavra ortodoxas conduz ao sectarismo e às suas teses supostamente infalíveis, que de nada adiantam à humanidade.

Comentando esses pontos no pensamento de Montaigne e de seu êmulo do século 18, Diderot, Jerome Schwartz ("Diderot and Montaigne, Genève, Droz, 1966), escreve o seguinte sobre o primeiro: "Apart from the sense Montaigne has that word and object are not bound by any essential necessity, his criticism of language is grounded also in his awareness of the ambiguity of linguistic expression. The uncertainty of human knowledge is increased by the imprecision of language m which leads to misunderstanding, contraditory interpretation and the quarreling of sects (...) Nostre parler a ses foiblesses et ses defauts, comme tout le reste. La plus part des occasions des troubles du monde sont Grammairiennes...Combien de querelles et combien importantes a produit au monde le doubte du sens de cette syllabe, HOC !"(Essais, II, 12)". Sim, quando a fórmula canônica "Accipite, comedite: hoc est corpus meum (Mt 26,26)" é enunciada, os crentes estão de acordo. Mas o que significa "corpus meum"? os teólogos, filósofos, ortodoxos e heréticos, cada um com o "verdadeiro" significado, entram em luta verbal e depois corporal, para provar o seu correto entendimento, o qual, "por supuesto" como dizem os espanhóis, é o único...

É desse modo, sapando as certezas dogmáticas que cultuam a palavra para não enfrentar as coisas, que Rabelais guarda todos os nomes da lingua popular, sem nenhuma cobertura cosmética. Rabelais certamente perderia emprego nas universidades de hoje, porque ignorava a prática calhorda hoje costumeira de cobrir o mundo com a enorme folha de parreira da lingua "correta". Só como exemplo, por mim recolhido em meu livro "Silêncio e Ruído, a sátira em Denis Diderot": os religiosos diz Rabelais no 'Gargantua'. "comem a merda do mundo, isto é, os pecados, e, comedores de merda, eles são jogados em suas privadas, os conventos...separados da conversa política, como as privadas de uma casa". [ Il n'y rien si vray que le froc, & la cagoule tire à soy les opprobes/ iniures/ & maledictions du monde, tout ainsi comme le vent dict Cecias attire les nues. La raison peremptoyre est: par ce qu'ilz mangent la merde du monde, c'est à dire, les pechez. Et comme machemerdes l'on les reiecte en leurs retraicts: ce sont leurs conventz & abbayes, separez de conversation politicque, comme sont les retraictz d'une maison. Gargantua, Chap. xxxviij: "Pourquoy les Moynes sont refuyz du monde, & pourquoy les uns ont le nez plus grand que les aultres"].

Pecados, merda, política, privada. Quantos parlamentares "piedosos" do Brasil, que vendem o divino nas suas igrejas e depois vendem os bens públicos nos corredores dos palácios, se escandalizam com as palavras, mas praticam coisas inomináveis!

Quando escrevi o artigo "O prostíbulo risonho", publicado na Folha de São Paulo, parlamentares insultaram a memória de minha mãe, tentaram me jogar na lama, foram à justiça para me condenar. No processo movido contra mim por Roberto Cardoso Alves, uma testemunha da acusação assim se dirigiu ao magistrado: "Excelência, gosto muito dos escritos do professor Romano. Mas neste caso ele se excedeu! Ele disse em seu artigo que os deputados fazem orgias com o orçamento!". Até o juiz esboçou um sorriso nesta hora. As críticas devem, no Brasil, usar eufemismos, jamais a palavra apropriada às bandalheiras. Quem ousa o contrário, é punido de todos os modos. Um colega meu, da Unicamp, no dia em que recebi a intimação, disse-me que eu e outro colega (declino o nome) estaríamos presos mais à dureza da escrita do que à prudência. "Como você escreve coisas assim, quando sabe que nós [a universidade, RR] dependemos do Congresso?". Recordei em rápidas palavras que "nós" só somos o que somos (por enquanto) porque nos prendemos mais à dureza e rigor do enunciado do que à prudência. Ele não entendeu a resposta. "Et pour cause..." diriam os nossos colegas francêses.

Toda a arenga acima, incluindo a egotrip que pode ser inaceitável para os bons ouvidos, os que só falam em nome do coletivo, foi escrita apenas para comentar a notícia saída no Toda Midia. Ela é uma notícia velha, arcaica como a classe política nacional. Agora, o termo adequado para descrevê-la não é "DISTENSÃO". Este termo esteve em voga na era da Guerra Fria, quando as duas super-potências ensaiavam a via da diplomacia, em vez da espionagem e da corrida às armas nucleares. Havia alí uma terrível razão de Estado dupla, a da URSS e a dos EUA.

O que assistimos no Brasil não merece aquele nome. Em inglês, o nome certo é Gang bang. Segundo a inefável Wikipédia,
" Gang Bang é um dos principais gêneros de sexo explícito, por ser muito requisitado pelos fãs do cinema pornô. O gang bang que representa uma cena onde uma mulher ou homem transa com três ou mais homens, sempre foi praticada pela indústria pornográfica, mas em 1995 esse gênero tomou caminhos mais grandiosos, tendo assim, status de superprodução pornográfica. Tudo isso devido a atriz porno Annabel Chong que em 1995 fez um gang bang com 251 homens. Nos anos que se sucederam outras atrizes se candidataram ao posto de mulher que transou com mais homens em um certo período de tempo.Recentemente o vocábulo "Gang Bang" denomina também as reuniões de sexo grupal entre uma mulher ou homem e vários homens." O termo antigo, no Brasil, desculpem os ouvidos pios, é suruba.

Note-se que as práticas indicadas são perfeitamente aceitáveis no intimo, na vida privada. Quando ela é feita em praça pública ou palácios públicos, torna-se uma invasão da vida alheia. O que se faz hoje, no Brasil, entre a suposta oposição e o governo, só pode ser nomeado com termos assim.

E nós, que pagamos impostos, votamos em políticos para governar e para fazer oposição, só temos uma opção correta diante de tamanho deboche:

Que vayan todos!

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