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segunda-feira, abril 30, 2007

Correio Popular de Campinas, 30/04/2007


Publicada em 30/4/2007

Cidades
Poder público viola direitos da infância

Acusação é dos três conselhos tutelares de Campinas, com base em balanço das atividades de 2006 e do trimestre deste ano



Nice Bulhões
DA AGÊNCIA ANHANGÜERA
nice@rac.com.br

O principal violador dos direitos da criança e do adolescente hoje em Campinas é o poder público. Faltam programas de proteção e equipamentos públicos e, quando esses funcionam, não recebem os investimentos necessários para se tornarem eficazes. É o que revela o balanço de 2006 e dos três primeiros meses de 2007 dos três conselhos tutelares da cidade. Meninos e meninas estão em situação de vulnerabilidade, de acordo com os conselheiros, por não terem a cobertura do Estado no que diz respeito a seus direitos fundamentais à educação, saúde, esportes e à vida. Os conselhos denunciam ainda que o único programa de prestação de serviços na comunidade para adolescentes que cumprem medida judicial — o Programa de Reintegração Social de Grupos de Adolescentes Através do Trabalho Educativo (Resgate) — está prestes a ser encerrado.

A situação caótica das políticas públicas de atendimento às crianças e aos adolescentes foi apresentada no último dia 18, na Câmara de Campinas, a pedido da Comissão Permanente da Criança e do Adolescente. Presidida pelo vereador Paulo Bufalo (PSOL), a comissão fará dez encaminhamentos para buscar a solução dos problemas. Os três conselhos tutelares da cidade atendem, em média, 900 casos de violações de direito por mês. E acreditam que há uma demanda reprimida porque muitas pessoas desconhecem o papel do conselho. Entretanto, não teriam condições estruturais para atendê-los. O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) recomenda um conselho tutelar a cada 200 mil habitantes, o que significa um déficit de três conselhos na cidade.

Na educação, os conselheiros Sílvio Virgulino Euclides, Hilda Aparecida de Souza Moraes e Eliana Rodrigues Pereira, dos conselhos tutelares Sudoeste/Sul Campo Belo, Norte/Noroeste e Sul/Leste, respectivamente, denunciam a falta de vagas, de escolas e de professores. A rede municipal de ensino é a mais atingida, já que precisa cumprir determinação judicial de oferecer vaga na Educação Infantil a todas as crianças que estão na fila de espera até 2009 e enfrenta o problema de falta de professores e monitores, inclusive no Ensino Fundamental. Para a assistente social Kátia Regina Mendes, “estar hoje matriculado não é garantia de atendimento” porque alunos são dispensados por falta de profissionais. Seu filho de 2 anos estuda no Centro Municipal de Educação Infantil (Cemei) Thermutis Araújo Machado, no DIC 2.

“A sala de meu filho tinha 40 alunos e não tinha professor e nem monitor e, por isso, foi preciso dividir a turma, o que representou prejuízo aos pequenos”, disse Kátia. “A creche espera os profissionais aprovados no processo seletivo de fevereiro deste ano. Enquanto isso, seis turmas foram fechadas. A situação está calamitosa, já que não atinge apenas esta creche.” Na rede estadual de ensino, para solucionar a falta de vagas na região do Campo Belo, algumas escolas funcionam em três turnos e com aulas aos sábados. Tem uma unidade que oferece quatro turnos, segundo Euclides. A superlotação no Ensino Fundamental, única modalidade obrigatória constitucionalmente, é outro problema.

Os conselheiros também denunciam à violação do direito ao esporte e ao lazer. “A região Sudoeste, que corresponde a um terço da população campineira, tem duas praças esportivas”, afirmou Euclides.

Os governos estadual e municipal informaram que trabalham para solucionar os problemas e rebatem a existência de alguns deles. Quanto ao programa Resgate, a Secretaria de Cidadania, Trabalho e Inclusão Social de Campinas informa que estuda que o programa seja executado por uma organização não-governamental (ONG), que já aplica medida socioeducativa de liberdade assistida. É que, de acordo com a Pasta, existe a necessidade de reorganização dos serviços públicos para a adequação ao Sistema Único de Assistência Social (Suas), a ser implementado em todo o País. Ela divulga ainda que, até o momento, o programa permanece com suas atividades normais e que a tal reorganização não acarretará nas descontinuidade dos trabalhos.

Fórum critica advogado cedido aos conselhos

Este ano, em outubro, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completará 17 anos. Mas a efetivação dos direitos infanto-juvenis, apesar dos avanços, ainda não é uma realidade na cidade, como no País, segundo o conselheiro Sílvio Euclides, do Conselho Tutelar Sudoeste. Na contramão, a Prefeitura encaminhou um advogado comissionado para prestar serviços jurídicos aos três conselhos, que, geralmente, representa contra o Estado. “É piada os conselhos tutelares aceitarem isso. É proibido por lei funcionário da Prefeitura brigar na Justiça desta maneira com o seu empregador”, afirma o coordenador do Fórum Municipal dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes, Jaime Oliveira Santos. A Prefeitura informa que o advogado no Conselho Tutelar, indicado pela Secretaria Municipal de Cidadania, Trabalho, Assistência e Inclusão Social, presta assessoria em todos os assuntos pertinentes ao poder público municipal, bem como, junto ao Ministério Público, Vara da Infância e da Juventude, além do Conselho Municipal dos direitos da Criança e do Adolescente. E acrescenta: “Por ser paga pelos cofres municipais, poderá contatar os órgãos desta Administração para solucionar os problemas elencados pelos conselheiros, sem poder, no entanto, representar contra o poder municipal. Mesmo que ela tivesse sido indicada pelos conselheiros, ainda assim a sua situação funcional continuaria igual à atual situação.” (NB/AAN)

A FRASE

“Os equipamentos públicos e programas estão concentrados na região central, sendo que a periferia ficou esquecida.”

JAIME OLIVEIRA SANTOS
Coordenador do Fórum Municipal dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes

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