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quinta-feira, agosto 16, 2007

CORREIO POPULAR de Campinas, 15/08/2007

Publicada em 15/8/2007


Renasce a repressão política
Roberto Romano

Ao falar sobre o direito natural, Spinoza indica algo que merece atenção em nosso país. Silenciosamente é reformada, no Brasil, a máquina produzida por duas ditaduras sanguinárias, opostas ao direito individual. O engenho repressor sofre apenas atualização, pois nunca deixou de funcionar na ordem policial que rege as pessoas comuns, contribuintes escorchados nada esperam dos três poderes. Mas é possível recolher em pensadores, como Spinoza, algumas técnicas para destruir a máquina que esmaga a fragílima cidadania brasileira.

Segundo o Tratado Teológico-Político spinozano, o direito natural se fundamenta nas regras pelas quais concebemos cada ser como determinado a existir e operar de certo modo. O peixe grande é determinado a devorar o pequeno. Direito e força unem-se em todos os seres, pois cada um deles é expressão da natureza. Todos têm um direito soberano sobre o que está em seu poder. Como todos se esforçam para perseverar na vida, sábios ou loucos perseveram na existência e têm direitos iguais. O direito natural, pensa Spinoza, não é definido pela razão sadia, mas pelo desejo e poder (non sana ratione, sed cupiditate & potentia). Cada indivíduo é determinado a viver de acordo com a sua própria forma. O ignorante (todos nascem assim, não sendo este um privilégio das mães presidenciais) não é obrigado a viver em obediência às leis de uma alma sadia. O mesmo ocorre com o gato, diz o filósofo, que não pode agir como o leão. O direito natural só proíbe o que ninguém deseja ou pode.

Se o mundo segue essa via, estaríamos eternamente na luta de todos contra todos, a guerra evocada por Hobbes para justificar o Estado repressivo? De modo algum. Todos desejam viver sem medo, o que é impossível se à razão não forem atribuídas prerrogativas para dominar paixões como a cólera, ódio, etc. Todos querem escapar do conflito universal. Para viver em segurança, os homens precisaram unir-se num só corpo e transferiram o seu direito à coletividade. No Estado não há alienação absoluta do direito natural, apenas transferência do mesmo ao coletivo. Nele, todos se esforçam por manter o direito alheio como se fosse o seu. Ninguém renuncia, diz Spinoza, ao que julga bom, sem a esperança ou medo de um bem ou prejuízo maiores. Caso o alvo do pacto não se cumpra, some a obrigação de obedecer ao Estado. Os indivíduos, no regime tirânico, têm o poder e o desejo de enganar quem frustra o fim da unidade coletiva. O governo pode ter força física de constrangimento, mas se não respeita o pacto, deve ser enganado como o ladrão que nos coloca o punhal no peito e daí exige uma promessa. Contra o dolo dos poderosos, Spinoza aconselha a maxima pudência ("Caute" , no exato e rigoroso latim).

Continuarei com Spinoza no próximo artigo. Mas já temos elementos para pensar a máquina de repressão rearticulada no Brasil. Os deputados mineiros dão a senha: com dolo extremo, declaram a si mesmos privilegiados, frustam as garantias do direito natural que deveria ser de todos e de cada cidadão. Agem como o larápio que empurra a faca no peito dos contribuintes desarmados. Eles retomam o gesto covarde dos políticos e dos poderes estatais que atribuem a si mesmos a exceção do direito coletivo. Com semelhante política, eles usam como punhal a polícia, que age sem peias. A insegurança reina, soberana, o que afasta o desejo social de obedecer para conseguir segurança. No Brasil, escritórios de advocacia são invadidos e a polícia bisbilhota sem óbices a vida das pessoas. No caso dos cubanos deportados, temos os frutos do Estado policial que renasce: o segredo, a manipulação da mídia, a propaganda, impediram que pessoas, ao fugir da pior tirania latino-americana, tivessem acesso à proteção. Atentos, caros amigos! Depois deles, a máquina vai devorar todos os que "desestabilizarem Lula" , como ameaçou Tilden Santiago, o embaixador do Brasil junto ao governante que matou indefesos opositores, aos milhares. Como diria Spinoza aos imprudentes que silenciam covardemente diante da solerte ação do governo: "Caute" .

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