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quarta-feira, janeiro 30, 2008

CORREIO POPULAR DE CAMPINAS

30/1/2008


Fanatismo, criacionismo, evolução (1)

Roberto Romano

O ceticismo, ensina um instaurador da filosofia na Unicamp, Dr. Oswaldo Porchat, tenta afastar o grande obstáculo ao pensamento científico, que reside na apressada conclusão de raciocínios e investigações. A pressa, no termo grego usado pelos céticos (propéteia) significa açodamento irrefletido. Um cientista sem paciência de expor seus conceitos à verificação lógica ou empírica, cedo ou tarde - por brilhantes as suas idéias - tomba em erro doloso. Errar é a condição dos que buscam a verdade. No latim, error significa falta, culpa, delírio, mas também cautela, rodeio. Os caminhos do verdadeiro não são retos, mas cheios de atalhos, clareiras, abismos. O grego ajuda a entender o caso: Zetesis (pesquisa) é busca de um objeto ou noção. Deus não procura a verdade, pois ela integra a sua essência. Diriam os escolásticos, ela é um dos transcendentais em companhia do Bem e do Belo. Enuncia a fé na sua versão inglesa : God is faithfull. Apenas em Deus a verdade não tem limites. Nenhuma criatura - limitada no tempo e no espaço - escapa a uma ou outra das formas de erro. O delirante afirma a verdade absoluta de suas certezas, não admite juizos que as neguem. Deus habitaria apenas em sua cabeça e discurso. Um tipo lamentável desse delírio, além do fanático religioso, temos nos militantes adoecidos de ideologia. Se topamos com os delirantes, a mímica facial que ostentam atraiçoa sua pressa de impor dogmas e não ouvir argumentos que os neguem. Quando falam a sua face reluz, excitada, as bochechas tornam-se rubras. Com a réplica, seus olhos perdem o brilho, vagam pelo ambiente, o semblante marca sua alienação mental. A atitude indiferente só indica que ele busca, na memória, argumentos para esmagar, não o que você diz, mas a sua pessoa. Não adianta desejar o diálogo com tal indivíduo. Ele concebe a conversa como guerra permanente contra a mentira, que por definição é a sua, em favor da verdade, por definição a dele. Se você recomenda um livro, estatística, método diferente, ele no máximo finge escutar. Nada anota, nada pesquisa. Ele é a mediação única entre a Verdade e os humanos.

Há um belo trabalho cinematográfico, O Vento Será sua Herança (Inherit the Wind) refilmado em 1999 com interpretações magníficas de Jack Lemmonn - Clarence Darrow, um advogado dos direitos civis - e George C. Scott - William Bryan, candidato derrotado à Presidência dos EUA - que exibe de maneira tensa o debate entre criacionismo e teoria da evolução. John Th. Scopes, jovem professor de biologia, foi julgado em 1925 por ensinar darwinismo na escola pública. O juiz proíbe a defesa de apresentar cientistas, filósofos e mesmo teólogos em favor do acusado. Este, após cenas de obscurantismo dogmático, recebe a multa simbólica de cem dólares. Os acusadores tinham pressa de condenar, sem ouvir. O caso real marca a luta pela pesquisa científica e define parâmetros na imprensa, pois foi o primeiro julgamento transmitido por rádio. Coisas similares ocorreram em Estados aparentemente opostos aos criacionistas. Sem falar nos julgamentos de Moscou, quando acusados aceitaram representar o papel de traidores, tudo pela ideologia, lembremos a “lingüistica” do estalinismo, a sua “biologia” (Lyssenko é prova), os expurgos de cientistas, pensadores, historiadores e outros. Zdanov, o sicofanta oficial do Partido Comunista inspirou a pressa naquela expulsão do contraditório. Ouvidos militantes, supostamente ateus, são moucos e recusam examinar teses opostas às suas.

Existe a pressa, muito comum entre fanáticos, de usar qualquer trecho das Escrituras em favor desta ou daquela doutrina, crença, ideologia. Por Santas Escrituras podemos entender as reveladas divinamente ou escritos deste ou daquele autor, base de uma ortodoxia. Quem julga a religião como “ópio do povo” logo repete O Capital sagrado e desce ao nível mais baixo ao apresentar como verdades absolutas textos obscenos do tipo O Homem, o capital mais precioso, fonte inspiradora de pretensas análises econômicas, políticas, e quejandos.

Tais reflexões surgem com os pronunciamentos da Ministra Marina Silva sobre o ensino do criacionismo como “alternativa” à evolução. Dedicarei os próximos artigos ao assunto. Lamento que seja fraca a reação contra o obscurantismo daquela funcionária. Em país que padece de falta de ciência e no qual o fanatismo enriquece embusteiros, recursos como os empregados por alguém que deveria ser responsável pela organização estatal é um atentado contra a inteligência humana.

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