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quarta-feira, janeiro 09, 2008

CORREIO POPULAR DE CAMPINAS.


A REPÚBLICA DA MENTIRA


Artigo Publicado em 9/1/2008

Roberto Romano

Nem começamos 2008. Mas deboches e mentiras governamentais já foram jogados em nosso rosto, como bofetadas frias e covardes. Depois do “relaxa e goza”, do “toc-toc-toc” e da frase ministerial sobre “os vôos que atrasam porque o país progride”, veio a morte de passageiros inocentes, e ninguém responde nos poderes pela “pequena falha”. Ninguém responde por nada no país enlouquecido cujo nome é Brasil. Agora, depois que os donos do poder federal perderam o que nunca tiveram (a CPMF seria “contribuição”, não imposto, “provisória” mas não permanente, destinada à “saúde” e seguimos assim) eles de novo mentem, com escárnio. Governo e oposição pactuaram, para que o primeiro tivesse a DRU. Não haveria aumento de impostos, foi a palavra dada. Os rojões ainda tonitruavam de norte a sul e já os tributos eram aumentados, com a caçoada sem pejo: “o presidente prometeu não aumentar impostos em 2007”. Com pessoas assim, quem precisa de sofistas e comediantes na república?

Em dias de mando petista, falas de bispos não encontram ouvidos favoráveis. O Príncipe só escuta, como é seu hábito, os bajuladores. Mas citarei um bispo sábio, que não fez greve de fome e no entanto mata a sede de saber e justiça de seres humanos, contados em milhões. Falo de Santo Agostinho. “O Senhor chamou o diabo pai da falsidade. (…) Nem todo o que diz mentira é pai da falsidade. Porque se tu recebes de um outro uma mentira, e a aceitas, tu és mentiroso, mas não pai daquela mentira. (…) Mas o diabo é o pai da mentira. Ele alega sua própria falsidade e não a ouviu de ninguém.” (Sermões sobre o Evangelho de João).

Com a entrevista à Piaui, o ex-ministro Dirceu desmente todos os pais e filhos da mentira que se abrigaram durante vinte anos sob a máscara ética. A verdade brota hoje da língua de quem arquitetou o reino da mentira, o império do “nunca ouvi dizer”, a república do Noli me tangere porque sou militante de esquerda e, portanto, sou honesto. A formação petista adoeceu de realismo, de burocratismo, de cegueira auto-causada, de cinismo. Ela perdeu o senso do decoro e se perdeu numa noite suja, na qual ainda estão insepultos cadáveres como o de Celso Daniel.

Terminemos com palavras descrentes, não escritas por um santo, mas por alguém que sabia o que enunciava: “Em alguns lugares do mundo existem ainda povos e rebanhos, mas não entre nós (…) aqui só existem Estados. Estado? O que é isto? Abri os ouvidos e vos falarei da morte dos povos. O Estado é o mais frio dos monstros frios. Ele é frio mesmo quando mente; eis a mentira que sai de sua boca: ‘Eu, o Estado, sou o povo’. Mentira. Os criadores formaram os povos e desenrolaram sobre suas cabeças uma fé e um amor; eles serviram a vida. Mas os destruidores puseram armadilhas para a multidão, é o que eles chamam Estado; eles puseram sobre suas cabeças uma espada e cem apetites. Se ainda existe um povo, ele nada compreende do Estado e o odeia como um pecado contra a moral e o direito. (…) Cada povo tem seu idioma do bem e do mal e o povo vizinho não o entende. Mas o Estado sabe mentir em todas as línguas do bem e do mal e em tudo o que ele diz, mente e tudo o que possui, roubou. Tudo nele é falso; ele morde com dentes falsos, até suas entranhas são falsas. O Estado é o lugar onde todos estão intoxicados, bons e maus, onde todos se dissolvem (…) onde o lento suicídio de todos é chamado ‘vida’. (…) Vede estes supérfluos: eles adquirem riquezas e apenas se tornam mais pobres. Eles querem o poder e, antes, a alavanca do poder, muito dinheiro - esses impotentes! Vede como eles sobem, estes macacos ágeis. Eles sobem uns sobre os outros e se fazem mutuamente cair na lama e no abismo. Todos querem ganhar o trono. Com freqüência é a lama que está sobre o trono, e não raro o trono está plantado na lama. Todos loucos… seu ídolo fede, este monstro frio; eles também fedem, os idólatras…”. Assim Falava Zaratustra, "Dos novos deuses". Retrato mais fiel dos poderosos petistas brasilienses, impossível. Feliz 2008...

Roberto Romano é professor de Ética e Filosofia Política na Unicamp.

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