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sexta-feira, janeiro 04, 2008

A opinião de José Nêumanne ( jornal O Estado de São Paulo)

Na queda de braço entre os dois Luizes, um presidente da República e o outro franciscano e bispo da cidade ribeirinha de Barra, na Bahia, em torno das águas do rio São Francisco, terminou prevalecendo, como sempre foi de esperar, a força da autoridade sobre a autoridade da razão. A segunda greve de fome de dom Luiz Cappio, interrompida pela debilitação de seu organismo provocada pela ausência de nutrientes, foi, desde o início o empreitada condenada ao malogro, seja por seu aspecto quixotesco intrínseco, seja pela insensibilidade do antagonista aos valores que ela cobrava. Nunca houve sentido nem lógica no desafio do indivíduo ao agente do interesse coletivo e nada mais podia fazer o Supremo Tribunal Federal a não ser dar a César o que era de César negando ao homem de Deus o direito de paralisar o curso de uma obra considerada prioritária - como na Bíblia Josué parou a trajetória do Sol. A Luiz Inácio Lula da Silva assiste a razão do Estado: eleito pela maioria do eleitorado para comandar os destinos da Nação, sente-se no direito quase divino de desviar a rota das águas do Velho Chico. Juízes não a negarão e os tratores farão cumpri-la. Para se apoderar da razão moral do adversário, buscou apoio na hierarquia da instituição em que o outro é barão e ele, vassalo, apelando para o princípio cristão da inviolabilidade do dom divino da vida.
         

O pomo da discórdia, as águas do rio que é dito ser da unidade nacional, poderá até seguir para o destino manifesto de produzir várzeas em solos estorricados pela seca. Afinal, a serena razão do prelado não basta para deter as máquinas das empreiteiras e a gula dos políticos por poder. O presidente e seus sequazes clamam pela transposição em nome da sede do sertanejo. Mas as águas que brotam na Serra da Canastra e banham Minas, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe alimentarão mesmo a agro-indústria, que é benfazeja para a pauta de exportações, mas não liberta o sertanejo do jugo dos coronéis. Para calar a voz clarividente do sacerdote, o governante se investe ilegitimamente do papel de profeta dos pobres e mata a sede de poder dos abonados. Instaura ainda mais uma equação perversa na República do pretexto, ao enriquecer a indústria da seca a pretexto de eliminar seus efeitos. Servindo aos adesistas que o bajulam, o chefe do governo cuspiu na mão que antes o acolhia e abençoava. Inúteis são milagres de taumaturgos sem fé.

 

 

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