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domingo, janeiro 13, 2008



FOLHA DE SÃO PAULO, 13/01!2008


CARLOS HEITOR CONY

Chávez e a mídia


RIO DE JANEIRO - Como na maioria dos assuntos que preocupam a humanidade em geral e, em particular, a humanidade de hoje, não tenho opinião formada sobre o atual presidente da Venezuela. Vejo nele algumas coisas positivas, outras negativas. Trata-se, evidentemente, de um ditador em potencial, mas também não tenho opinião segura sobre os ditadores, desde que não sejam ladrões ou sanguinários. Alexandre, César e Napoleão foram ditadores, mas deixaram bom saldo para a história.


Não é o caso de Hugo Chávez, que, não faz muito, sofreu pesada derrota eleitoral em seu país e recebeu do rei da Espanha um "cala a boca!" humilhante, mas merecido.
Com a libertação de duas reféns das Farc, operação bem-sucedida, que ele articulou e realizou, deu a volta por cima e se colocou no pódio do maior acontecimento internacional neste início de 2008.

Para minimizar a proeza feita por ele, os entendidos nesses assuntos classificam a operação do resgate como uma ação apenas midiática, ou seja, um fato produzido para gerar mídia, ocupando espaços na imprensa e na TV. Evidente que é.

Um corredor de Fórmula 1, que arrisca a vida para vencer uma prova, também produz um fato midiático, tem sua foto no pódio publicada em todo o mundo, mas nem a foto nem a repercussão da vitória diminuem o valor intrínseco de seu feito. Ele ganhou porque sua intenção apenas era vencer. O resto é conseqüência.

O maior fato midiático da humanidade foi num tempo em que nem havia mídia. Um dissidente do judaísmo foi crucificado num morro ao lado de dois ladrões. Nos 2.000 anos seguintes, esse fato, que poderia ter passado despercebido, dividiu a história em antes e depois, fez toneladas de textos e imagens invadirem o mundo e gerou detratores e mártires.



COMENTÁRIO:

Admiro Cony desde os anos 60, após a leitura de seu livro, O Ato e o Fato. Nele, o autor apresentou coragem e lucidez únicas, ao desancar os militares que imaginam fazer um bem imenso à pátria, quando na verdade ajudavam oligarquias a se instalarem no mando regional com os custos dessa operação a serem pagos pela farda. Algumas notas daquele volume de Cony são mais do que equivocadas. Como as suas sentenças sobre o ressentimento dos militares, que teriam agido em 1964 porque os seus salários seriam menores do que os atribuídos aos civis. Psicologia claudicante.

No artigo acima, me espantam duas coisas: alguém que viveu sob duas ditaduras sanguinárias, afirmar não possuir juizo definitivo sobre ditadores, "desde que não sejam ladrões ou sanguinários", é demasiado. Dou uma sobremesa (pode ser baba de moça) para o ilustre jornalista, se ele indicar com provas um só ditador sem as "qualidades" mencionadas.

Napoleão foi um dos modernos instauradores da polícia secreta, das torturas, da concentração de todos os poderes em suas mãozinhas sujas. Não é necessário ler O vermelho e o Negro (afinal, pode ser "apenas ficção"...). Os volumes e bibliotecas inteiras de historiadores sobre a tirania napoleônica não podem ser ignorados por quem escreve sobre tais assuntos, que implicam na vida e na morte de milhões.

César acabou o processo de corrupção e desintegração da república, exacerbou a violência dos romanos contra povos mais fracos e jogou sua nação em mãos mais do que corrompidas e sanguinárias. Não por acaso, ele foi o paradigma do senhor Benito Mussolini.

Alexandre, com base nas lições de seu filósofo policial e espião, acabou de liquidar o que existiu de ordem democrática nos Estados gregos por ele vencidos. Os três ajudaram a produzir o modelo das piores tiranias conhecidas pela humanidade em mais de dois mil anos.

E por falar em dois mil anos, pelo amor de Deus, Cony! Comparar Chavez com Jesus Cristo é mais do blafêmia, é ridículo! Pelo que me consta, em nenhum instante o dissidente do judaísmo se afirmou igual aos zelotas e a outras forças "revolucionárias". O segredo da alma, por ele exigido dos seus discípulos, o afastou e a eles, durante bom tempo, de toda e qualquer demagogia.

Zelotas... as Farc nem zelotas chegam a ser. Elas são bandidas, narcotraficantes, covardes que sequestram inocentes ou adversários políticos sem nenhum sentido de honra e respeito humano. Se Cristo fosse igual a Chavez, como este é igual (dito por ele mesmo) às Farc, Cristo seria igual aos bandidos. Lógica dos quintos dos infernos!

Enfim, continuo admirando a pena de Cony, mas como sempre ocorre quando sorvemos boa bebida, no fundo do copo, vez ou outra, sentimos um travo...

Roberto Romano

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