Powered By Blogger

quarta-feira, abril 18, 2007

Bento XVI, lobos e cordeiros

Correio Popular de Campinas, coluna de Roberto Romano

Publicada em 18/4/2007

Bento XVI, lobos e cordeiros

O Papa Ratzinger vem para a nossa terra para canonizar um religioso, em ato público cujo teor é teológico-político. Nada contra o teológico. Mas quanto ao político, é preciso cautela. O Sumo Pontífice retoma a idéia de nosso território como “país de missão”, ao elevar aos altares um homem que pertence ao Estado federal que perde bom número de católicos. No mesmo tempo, o monarca antecipa o bom acolhimento a um ato até hoje pouco divulgado. Após a Concordata, assinada em data recente com Portugal, a Santa Sé acelera os tratos para uma nova Concordata com o Brasil. Tal acordo trará restrições para a ordem civil democrática. Os cientistas devem se prevenir, porque medidas polêmicas, como as leis reguladoras dos laboratórios que operam com a genética humana, serão determinadas pelos compromissos assumidos segundo a lógica dos tratados internacionais.

A Igreja nunca desistiu de exercer o controle de corpos e almas. O Estado moderno possui o monopólio do controle dos corpos, das leis, dos impostos e outros. Mas todos aqueles monopólios foram disputados pela Igreja. Na Concordata com Mussolini, o Papa, em carta ao Cardeal de Gasparri, afirmou que no documento estavam postas “duas soberanias”. A soberania superior pertencia à Igreja. Na Concordata de Império com Hitler, a Sé romana desarmou politicamente os católicos alemães, em troca de privilégios estatais concedidos ao clero. Este, segundo o documento que consagrou a Concordata, teria as mesmas proteções e prerrogativas da burocracia governamental. O que Hitler fez com o acordo, hoje todos sabem. Mas as ações nazistas eram previsíveis. A Igreja fez o tradicional mea culpa pela metade, quando a Alemanha perdeu a guerra. Mesmo depois do Vaticano 2, no entanto, ela não renunciou ao que julga ser seu direito inalienável: determinar imperativos éticos para os fiéis e para a sociedade mais ampla, com base em acordos feitos entre a Santa Sé e os governos civis. Esta é uma forma de impor à toda a cidadania de certo país, regras que deveriam se limitar aos que confessam a disciplina católica.

Em questões como a propriedade, o casamento, a concepção, a orientação sexual, a ordem política, em todos os planos sociais reivindicados pelo Estado como seu monopólio, a Igreja considera-se no direito de intervir. No Brasil, até Vargas, ela pressionou diretamente a sociedade e o governo. O Legislativo seguia o Executivo. Na ditadura militar, dadas as fricções entre a hierarquia (nem toda ela...) e o governo, e dados os limites impostos ao Legislativo, ocorreu certa ausência de reivindicações eclesiásticas para controlar a cidadania. Um general protestante possibilitou o divórcio. No governo civil, com a maior abertura do Legislativo, a Igreja pressionou o Executivo e o Legislativo para obter vantagens legais em favor da pastoral. Ocorreu a restauração do ensino religioso às custas do Estado, as pressões contra o aborto, e outras formas de procedimentos amparados em leis ou em atos administrativos.

Após a Segunda Guerra Mundial, acordos diplomáticos entre a Santa Sé e os poderes civis foram tentativas de controle da primeira sobre os últimos. Governos democráticos, em plano interno, contam com apoios flutuantes, partidos frágeis, dirigentes corruptos e corruptíveis, massas não confiáveis. Os ricos, caso percebam fraquezas no dirigentes, aplicam recursos e apoios em substitutos confiáveis. A classe média não garante apoio estável. A mídia pode ser pressionada ou comprada em parte, mas se espraia em campos não diretamente acessíveis aos bispos e governos. Na busca de legitimidade (é disto que falamos) o beneplácito de uma instituição sólida junto ao povo, como a Hierarquia eclesiástica, não é desprezível. Como o Estado brasileiro (sobretudo o Legislativo) ostenta plena ilegitimidade, a Concordata seria uma tábua de salvação para os políticos corrompidos e tirânicos. Como vimos, no caso de Hitler e de Mussolini, não seria a primeira vez que a Mater et Magistra viria em socorro dos lobos, contra os cordeiros.


Comentário adicional:

Na época ditatorial, e mesmo depois, um uso hipócrita das nossas autoridades quando eram anunciadas visitas de pessoas ilustres, consistia em maquiar os lugares onde as ditas personalidades deambulariam. No Rio, cartazes pornográficos cobriam as "vergonhas" das casas onde prostitutas exercem seu honesto mister (comparo com a profissão de político brasileiro, claro). Assim, tudo ficaria "limpo". Agora, na visita de Sua Santidade, as autoridades de São Paulo farão uma limpeza, expulsarão os mendigos e gente feia das praças onde o representante de Jesus (Aquele homem que andava entre os pobres, fugia dos ricos e dos fariseus) estará presente. Espetáculo indigno de quem se diz cristão. Que os políticos de São Paulo sejam hipócritas e farisaicos, tudo bem. Mas o que está fazendo contra este sacrilégio o antístete paulista? E o clero? Não é preciso ser radical, em termos políticos, para perceber o quanto a operação limpeza anunciada é fascista.
Enfim...

EVANGELHO – Lucas 6,17.20-26


Naquele tempo,
Jesus desceu do monte, na companhia dos Apóstolos,
e deteve-Se num sítio plano,
com numerosos discípulos e uma grande multidão
de toda a Judeia, de Jerusalém e do litoral de Tiro e Sidónia.
Erguendo então os olhos para os discípulos, disse:
Bem-aventurados vós, os pobres,
porque é vosso o reino de Deus.
Bem-aventurados vós, que agora tendes fome,
porque sereis saciados.
Bem-aventurados vós, que agora chorais,
porque haveis de rir.
Bem-aventurados sereis, quando os homens vos odiarem,
quando vos rejeitarem e insultarem
e prescreverem o vosso nome como infame,
por causa do Filho do homem.
Alegrai-vos e exultai nesse dia,
porque é grande no Céu a vossa recompensa.
Era assim que os seus antepassados tratavam os profetas.
Mas ai de vós, os ricos,
porque já recebestes a vossa consolação.
Ai de vós, que agora estais saciados,
porque haveis de ter fome.
Ai de vós, que rides agora,
porque haveis de entristecer-vos e chorar.
Ai de vós, quando todos os homens vos elogiarem.
Era assim que os seus antepassados
tratavam os falsos profetas.

Comentário 2: e quantos falsos profetas, vestidos com as roupas talares, abraçarão o Vigário de Cristo, tendo sido cúmplices da operação limpeza? Existe uma solução final, para o caso: abram um imenso buraco (já que o do Metro foi fechado) na periferia de São Paulo, e nele joguem todos os mendigos, sujos e feios, coloquem muita terra por cima. E muita cal para apagar o cheio fétido da miséria. Que o nariz dos nossos dirigentes é delicado.




antarcticasouthpole.free.fr/jesuis/dessin.html



Vestimenta oficial, oferecida pelas autoridades paulistas ao papa, na sua visita às praças públicas.



E vai para as autoridades civis e religiosas de São Paulo, o premio Garotinho de Ouro.

Arquivo do blog