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segunda-feira, abril 16, 2007

O blog Perolas, de Alvaro Caputo, esta de volta, esperemos que sem interrupçoes. O numero de hoje esta muito rico, como sempre.

Dentre as matérias interessantissimas, extraio a que segeu abaixo. Mas recomendo a leitura atenta de toda a edição das Pérolas.

Roberto Romano


Os filhos da liberdade
“O maior e principal objetivo dos homens se reunirem em comunidades, aceitando um governo comum, é a preservação da propriedade.” (John Locke)

O grande divisor de águas entre a era da servidão e a era da liberdade foi a Revolução Americana. Ali seria selado o direito do povo a um governo que respeitasse as liberdades individuais como nunca antes visto. A famosa passagem da Declaração de Independência de 1776 deixa isso claro:

“Consideramos estas verdades evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais, que são dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade”. A independência americana foi resultado de um povo que não aceitava a subordinação facilmente. Após o término da Guerra dos Sete Anos, em 1763, a Grã-Bretanha estava com uma dívida que chegava a 130 milhões de libras, e os contribuintes britânicos, sobrecarregados com tributos de 20%, não pretendiam aceitar novos impostos. À necessidade de aumento da receita por parte do império britânico, parecia claro ao Parlamento que as colônias teriam de arcar com parte dos custos.

A primeira tentativa foi a Lei da Receita de 1764, conhecida como a Lei do Açúcar. A despeito da insatisfação colonial, o Parlamento persistiu na tentativa de aumentar as receitas provenientes da América do Norte, sancionando a Lei do Selo em 1765. Isso despertou a fúria dos colonos, e houve forte reação por parte de grupos organizados de comerciantes coloniais, conhecidos como “Filhos da Liberdade”. Os gritos ecoavam que “sem representação não há tributação”. A lei foi revogada em março de 1766, mas o Parlamento não havia abandonado o plano de aumentar a receita através das colônias. Vieram as Leis Townshend, de 1767, que aumentavam as taxas alfandegárias sobre produtos britânicos básicos importados pelos americanos. Seguiram-se boicotes altamente eficazes, e o governo britânico recorreu à força militar. Acabaram revogadas também. Por fim, a Companhia das Índias Orientais adquiriu o monopólio sobre a importação de chá para as colônias, e isto culminou na famosa “Festa do Chá” de Boston. Era a gota d’água, e o próprio rei Jorge III reconheceu que “ou as colônias se submetem ou triunfam”. A sorte estava lançada.

A causa da independência ficou explícita através de um panfleto político do autodidata Thomas Paine, escrito em janeiro de 1776 e chamado Senso Comum. Nele, Paine atacou a monarquia, e referiu-se ao rei como “o tirano da Grã-Bretanha”. Para ele, a escolha era simples: permanecer sob o jugo de um tirano ou conquistar a liberdade. No panfleto, Paine, um racionalista que começara a trabalhar ao lado do pai aos 13 anos, deixou claro que o papel do governo era garantir a segurança, e destacou que “o governo, mesmo no seu melhor estado, não é mais que um mal necessário”, sendo um mal intolerável em seu pior estado. O próprio autor afirmou que escreveu o panfleto sob a influência somente da razão e do princípio.
Outro nome de extrema relevância para a independência americana é Thomas Jefferson, que ficou famoso como o autor da Declaração de Independência, assim como o terceiro presidente americano. Jefferson era filho de um proprietário de terra abastado, vitorioso pelo seu próprio esforço, que ganhou a vida como topógrafo. Fez campanha pela separação entre a Igreja e o Estado e pela liberdade religiosa. Reconheceu que a bibliografia básica que o inspirou a escrever a Declaração era proveniente de nomes como Aristóteles, Cícero, Locke e Sidney. Este último era muito respeitado nas colônias americanas, e foi contemporâneo e amigo de William Penn, fundador da Pensilvânia. Apoiou os ideais que serviram de base à emancipação e à liberdade religiosa. Como os pensadores iluministas, para quem era uma inspiração, Algernon Sidney defendia o questionamento à autoridade.

A fermentação política nas colônias ocorria no contexto do Iluminismo, e a Declaração de Independência foi inspirada nas idéias iluministas, assim como serviu para lhes dar forma. Os pensadores iluministas tinham um compromisso com o progresso e o questionamento racional, inspirados pelas descobertas de Newton, que permitiram um avanço na compreensão do mundo natural. O conhecimento é acessível a todos, e a investigação racional é estimulada, o que tirou um pouco da mística da Igreja e do Estado. Estes não eram mais vistos como inquestionáveis. O homem é motivado pelo interesse próprio, e cabe ao governo protegê-lo dos demais homens. Como disse Locke em seu Segundo Tratado Sobre o Governo, “cabe aos homens tal direito aos bens que lhe pertencem, que ninguém tem o direito de lhos tirar, em todo ou em parte, sem o seu consentimento”. Afinal, “sem isso, não haveria nenhuma propriedade verdadeira, uma vez que outros tivessem o direito de tirá-la quando lhe aprouvesse, sem consentimento”.

Nas colônias, a Declaração de Direitos de 1689 dos ingleses era bastante conhecida, e representava o texto-chave da Revolução Gloriosa. O rei Jaime II acabou abdicando ao trono e fugindo sem lutar depois de despertar a inimizade da nação ao promover o catolicismo romano, a despeito das leis do Parlamento contrárias a isso. O texto, muito popular nas colônias, acabou influenciando a Declaração de Direitos da Virgínia, escrita por George Mason, a quem Jefferson se referia como “o homem mais sábio de sua geração”. Mason era um fazendeiro vizinho de George Washington, e converteu-se à idéia da emancipação por repúdio à tributação excessiva.

Outro grande nome desta época revolucionária é Benjamin Franklin, o mais velho dos signatários da Declaração. Ele fez poucas, porém cruciais alterações no texto de Jefferson. No original, lia-se: “Consideramos estas verdades sagradas e inegáveis”. Franklin alterou-a para a famosa frase “consideramos estas verdades evidentes por si mesmas”, removendo o tom mais religioso e transformando a frase na afirmação de um fato racional em vez de uma providência divina. Não custa lembrar que Benjamin Franklin, mesmo acreditando em Deus, foi o autor da frase “o jeito de ver pela fé é fechar os olhos da razão”. Apesar das diferentes religiões dos “pais fundadores”, a divisão entre Igreja e Estado foi sempre uma prioridade para eles, e no Tratado de Trípoli, em 1797, isso fica claro quando consta que o governo dos Estados Unidos não é fundado na religião Cristã.

Está certo que os negros ainda não estavam incluídos nesses direitos individuais que os “pais fundadores” dos Estados Unidos tanto defenderam. Eles mesmos, membros de uma elite americana, eram proprietários de escravos. Era este o contexto da época, infelizmente. Mas é inegável que ali, na própria Declaração de Independência, estavam plantadas as sementes que levariam à abolição dos escravos. Os abolicionistas baseavam sua causa em princípios morais, retomando a idéia da lei natural advogada por Jefferson na Declaração, que era usada diretamente para defender seus argumentos.
O famoso caso Amistad de 1839 foi o primeiro no qual se apelou para a Declaração, e o ex-presidente americano John Quincy Adams fez uma defesa eloqüente dos africanos presos. Seu longo discurso diante da Suprema Corte contou com o seguinte argumento: “No momento em que se chega à Declaração de Independência e ao fato de que todo homem tem direito à vida e à liberdade, um direito inalienável, este caso está decidido”. Abraham Lincoln foi outro que apelou constantemente à Declaração para defender a causa abolicionista. O texto foi uma vez mais invocado por outro grande defensor da igualdade perante a lei, Martin Luther King Jr. Seu mais famoso discurso, sobre seu sonho de viver numa nação livre, faz alusão direta ao trecho da Declaração onde todos os homens são criados iguais, uma verdade evidente por si mesma. Outro abolicionista conhecido, David Walker, escreveu em 1823 um texto usando os trechos da Declaração, e questionando se os americanos compreendiam o que estava sendo dito ali. A luta pela liberdade feminina iria também se apoiar na própria Declaração de Independência, defendendo o direito de igualdade entre os sexos. Enfim, o legado da Declaração é enorme na conquista da liberdade individual.

A Revolução Americana representou um marco na história. Ali, homens sábios dariam um basta à tirania, influenciados por importantes pensadores iluministas. Suas idéias estavam de acordo com o sentimento popular. Os “Filhos da Liberdade” combateram o excesso de tributação, assim como a ausência de representação política. Não aceitaram ser apenas súditos da coroa. Lutaram pela separação entre a Igreja e o Estado, assim como pela liberdade religiosa. Entenderam que o governo serve para proteger as liberdades individuais, e que cada um deve ter sua propriedade preservada, assim como deve ser livre para buscar a felicidade à sua maneira. Buscaram limitar ao máximo o poder estatal, e através da Declaração de Direitos, protegeram os indivíduos da ameaça do próprio governo. Compreenderam que a descentralização do poder é fundamental, e por isso respeitaram o modelo federalista. Em resumo, criaram a primeira nação com bases realmente liberais!
Rodrigo Constantino no site do Instituto Millenium

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