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"Pitt Rivers afirma que a mentira é essencialmente uma categoria que mede a hierarquia (...) mentir é uma relação que sempre se produz de alto para baixo. O surgimento da mentira numa escala hierárquica significa de fato quem tem direito à verdade. Mentira é não dizer a verdade a quem tem direito a ela. (...) A informação que chega de cima para baixo não é mentira, é palavra de poder pertinente em si mesma, modelo e guia do saber como da ação dos que a recebem. Quem, pelo contrário, precisa fazer a sua informação subir pode mentir, inclusive inadvertidamente, caso oculte ou tergiverse parte de sua informação ou se não consegue acrisolar o que é conveniente para o seu nível". Se a fala do poder é assim, se nela o verdadeiro é a mentira da razão de Estado (se for razão de Estado efetiva, nunca será confessada a sua mentira) temos a perfeita definição do Estado por Nitezsche: "O Estado mente em todas as linguas do bem e do mal e tudo o que ele diz é mentira, e tudo o que ele possui é roubado".
Assim, das páginas desse livro fascinante, O Discurso da Mentira (Carlos Castilla del Pino, Ed. Madrid, Alianza, 1988), pode-se recolher materiais importantes para a compreensão do Brasil, de seus dirigentes, etc. Não por acaso na enquete da Folha sobre o maior brasileiro, o vencedor foi Getúlio Vargas. Na minha resposta coloquei "Padre Vieira", que escreveu o Sermão do Bom Ladrão. Em terra onde impera o foro privilegiado, licença para roubar e mentir, Vieira é profeta e doutor.
Roberto Romano