Correio Popular de Campinas, 30/07/2008
Roberto Romano
Roberto Romano
| |
Contra a lista dos políticos ‘sujos’
Receio as “listas dos sujos” publicadas por alguns operadores do Direito, juízes em especial. Em primeiro lugar porque o veredictum é a base da Justiça. Em segundo, porque vejo naqueles documentos uma falha: em vez de acabar com o privilégio de foro, os togados o aceitam e incentivam, desse modo involuntário, a corrupção. Não entendo porque o STF, garantia da Constituição, aceita o dito privilégio. Se ele julga com base na ordem republicana (consagrada quando o povo rejeitou a monarquia) como pode ter seu beneplácito a subversão da igualdade jurídica? Os donos do Estado brasileiro, reunidos em oligarquias regionais federadas no Congresso, dão a si mesmos o passaporte para a impunidade, cuja garantia é o dito foro. Assim, uma das fontes oficiais da improbidade não é reprimida pelos juízes (não falem em julgamento pelo STF, o tempo enorme dos processos exibe procrastinação de fato) e gera a lista dos “sem limpeza”. Os políticos se proclamam cidadãos de primeira classe. Como disse um deles, Suas Excelências recusam julgamentos de “juizinhos na primeira instância”. Daí, tratam os bens públicos como se fossem de sua propriedade pessoal e roubam. O seu processo com privilégio de foro segue vias longas, cujo veredictum será dado na Eternidade. Com os clamores pela ética na política, em período eleitoral, surge a ilusão de que os corruptos serão punidos simbólica ou efetivamente, com os nomes postos em listas ou fotos reveladas ao eleitor.
Ilusões: os donos dos currais eleitoreiros têm a fidelidade dos conterrâneos, paga ainda hoje com favores pessoais, obras públicas trazidas para a região, cargos, etc. Tal fidelidade é obtida na base do “é dando que se recebe” entre parlamentares e poder Executivo, labor de Sísifo que visa construir a “base aliada”, abismo que devora qualquer governo. Ilusões: enquanto os municípios e Estados não tiverem autonomia financeira, os franciscanismos blasfemos serão mantidos, gerando os processos, vistos com desdém pelos políticos em tempos não eleitorais.
Um alerta: a lista dos candidatos com processos na Justiça recorda muito os casos de “atimía” (ausência de honra) dos tempos democráticos, na Grécia antiga. A pena de atimía era aplicada em Atenas, apoiada pela população. Ela restringe os direitos civis dos acusados de crimes e delitos. Os sem honra não poderiam ser admitidos aos cargos nem exercer a função de procurador público (syndikos ). Seriam vedadas para eles magistraturas no país ou no estrangeiro, tanto as preenchidas por sorteio ou por eleição. E não poderiam entrar nas assembléias ou nos sacrifícios públicos. Quem perdia assim os direitos políticos não tinha a sua culpa declarada pelos tribunais. Bastava a desconfiança para definir a pena. Daí a expressão de juristas modernos de que tais pessoas seriam “atimoi não declarados culpados”. As penas de atimia eram aplicadas, além dos casos diferentes de prostituição, aos magistrados que, sem deixar o cargo, não pagavam ao Estado os seus débitos aos tribunais e à Assembléia. Também os cidadãos que, chamados para integrar o exército, não compareciam, a ela eram submetidos.
O que eram as “timai” que ordenavam o termo negativo, atimia? Eram as honras públicas que permitiam acesso aos cargos, aos tribunais, ao povo reunido em assembléia. Atimia era imposta aos covardes na guerra, aos que não protegiam seus familiares, sobretudo menores, aos devedores do erário oficial. As acusações contra muitos integrantes das listas sujas repetem, pois, uma história de dois mil anos... A pena da atimia é uma das manchas indeléveis da vida grega. Quando um cidadão pode ser punido sem veredictum , instala-se a insegurança geral. O Estado democrático se dissolve porque se alguns não têm o direito ao devido julgamento, logo ninguém é por ele protegido. Em vez de garantir o veredictum para todos, em tempo certo, operadores do direito brasileiros jogam na atimia políticos corruptos e pessoas cujos “crimes” ainda não foram provados. Elas são condenadas sem o devido processo. Tais listas são injustas e alheias ao direito.
Ilusões: os donos dos currais eleitoreiros têm a fidelidade dos conterrâneos, paga ainda hoje com favores pessoais, obras públicas trazidas para a região, cargos, etc. Tal fidelidade é obtida na base do “é dando que se recebe” entre parlamentares e poder Executivo, labor de Sísifo que visa construir a “base aliada”, abismo que devora qualquer governo. Ilusões: enquanto os municípios e Estados não tiverem autonomia financeira, os franciscanismos blasfemos serão mantidos, gerando os processos, vistos com desdém pelos políticos em tempos não eleitorais.