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quarta-feira, julho 16, 2008

Publicada em 16/7/2008


Sementes do anti-semitismo



"O semeador e o pregador é nome; o que semeia e o que prega é ação; e as ações são as que dão o ser ao pregador. Ter nome de pregador, ou ser pregador de nome não importa nada; as ações, a vida, o exemplo, as obras, são as que convertem o mundo. O melhor conceito que o pregador leva ao púlpito, qual cuidais que é? É o conceito que de sua vida têm os ouvintes" (Padre Vieira).

A hierarquia católica é decisiva na semeadura do ódio anti-semita, sobretudo no século 20. Tal atitude dura até o desencanto com o nazi-fascismo. Quando a Cúria percebe que sua aliança com os regimes totalitários serve apenas a eles, começa o lento e gradual divórcio, cujos resquícios permanecem após a Segunda Guerra nas ditaduras de Franco e de Salazar. Razões de Estado ordenam o acordo de Latrão (é reconhecida por Mussolini a soberania papal sobre o Vaticano) e a Concordata de Império com Hitler em 20/7/1933. Nesta última, os sacerdotes são assimilados aos funcionários estatais. Vantagens semelhantes foram pagas com moeda infernal, algo talvez imprevisto por Pio XII que assinou a Concordata, antes de subir ao trono de Pedro. O Secretário de Estado Pacelli nota que os termos do texto são violados por Hitler e protesta, mas não há ruptura entre as duas potências, a espiritual e a secular. Surge a Encíclica Mit brennender Sorge ("Com Ardente Inquietação" ) que condena o racismo. Mas a maior denúncia do racismo deixa de ser publicada. Em 1938 Pio XI encomenda o projeto de uma Encíclica sobre a unidade do gênero humano. O redator do texto é o padre John La Farge SJ, estudioso do racismo nos EUA. Na pesquisa para o projeto colaboram os padres G. Desbuquois (francês) e G. Gundlach (alemão), também da Companhia de Jesus. O trabalho é feito em 1938. Como a França e boa parte da Europa estão sob vigia, o padre Gundlach é denunciado à Gestapo por um zelador que operava nos círculos vaticanos. O padre é advertido: se entrasse na Alemanha seria preso.

Instalado em Roma, o mesmo sacerdote denuncia (1/4/1938) na Rádio do Vaticano o "falso catolicismo político" dos bispos austríacos e do cardeal Innitzer que declara apoio ao Anschluss (união Áustria e Alemanha): "Os responsáveis pelas almas e fiéis" diz Sua Eminência, "se alinham incondicionalmente atrás do grande Estado alemão e do Füher" . (Cf. Georges Passelecq (monge beneditino) e Bernard Suchecky (historiador judeu): L’ Encyclique caché de Pie XI. Une occasion manquée de l’ Église face à l’antisémitisme, La Découverte, Paris, 1995, p. 104). Pio XI exige sua retratação, mas a semente foi lançada. Hitler, que o pontífice chama o "profeta do Nada" tem agora no seu redil, muitas ovelhas católicas tangidas pelos pastores.

O nome da Encíclica seria Humani generis unitas (A Unidade do Gênero Humano) e denunciaria o nacionalismo racista e a guerra. São nela atacadas "a pretensa concepção dos antigos germanos" e a identificação entre Deus, raça e povo, Estado e governantes. A defesa dos judeus é fragílima no escrito, quase toda extraída de um artigo do padre Gundlach sobre o anti-semitismo, publicado em 1930. A Encíclica não foi publicada. Várias causas indicam a censura: fim do pontificado de Pio XI e ascensão de Pio XII, amigo da Alemanha e cauteloso quando se tratava de defender os católicos, não os perseguidos por Hitler. O superior jesuíta dos redatores, polonês (já sabemos como os bispos poloneses pensavam, no caso dos judeus) escondeu o texto o quanto pôde. Apesar de tudo, o documento chegou ao Papa Pio XI. Este, em audiência privada com o padre La Farge pediu-lhe que redigisse "como se fosse o próprio papa" . Confessa o bom padre: "É como se a rocha de São Pedro tivesse caído sobre minha cabeça" . La Farge fez chegar o manuscrito ao papa, apesar do superior polonês. Quem deseja mais informações, leia o próprio livro, citado acima, em que se publica o texto da Encíclica censurada e as notas de Henri Medelin na revista Études (Paris): Cristianismo, História, Racismo, Vaticano (dezembro de 1995, p. 6). No próximo artigo, falaremos da atitude dos católicos brasileiros sobre o anti-semitismo.

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