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quarta-feira, julho 09, 2008

Correio Popular de Campinas Publicada em 9/7/2008


Fontes do anti-semitismo

Roberto Romano

“É preciso repetir mil vezes a sentença de Joseph de Maistre: ‘Não basta matar os monstros; o mais difícil é remover-lhes os cadáveres’. O totalitarismo é um cadáver muito difícil de remover.” (Tristão de Athayde, em 1945). A verdade não é ferida por surgir de lábios conservadores. Ditaduras que prometiam “mil anos” foram destroçadas na Segunda Guerra. Mas seus fragmentos continuam vivos no Gulag, nos países “libertados” pela URSS, em Cuba, no Camboja, em todos os campos da desgraça. O dito vale para o anti-semitismo, irmão gêmeo da sanha totalitária de potência. Varridos as grupos que uniram milhões na tarefa de extermínio, o racismo hediondo se manifesta em lugares inesperados: universidades, igrejas, movimentos sociais que pretensamente lutam contra as desigualdades.

O anti-semitismo tem múltiplas causas. Sua marca pode ser vista desde o Império romano. Alguns autores minimizam tal prisma e buscam indícios da loucura que gerou o Holocausto na luta entre os irmãos totalitários, o nazismo e o comunismo soviético. Semelhante via é seguida por Ernst Nolte, autor polêmico acusado de absolver a culpa dos alemães e do nazismo no genocídio. As obras desse escritor acabam de receber edição especial na França (Fascisme & Totalitarisme, organizado por Stéphane Courtois, Paris, Laffont, 2008). Em artigos futuros discutirei os escritos de Nolte. Gostaria de assumir o caminho não seguido por ele, verificar no útero do cristianismo as sementes do ódio anti-semita.

Vejamos a Polônia, pátria de João Paulo II e tradicional sociedade católica. Em 1939, a luta contra os judeus era aberta. Eles eram acusados de tudo, como no transcorrer da Idade Média e da modernidade. Acusação predileta: eles “roubariam” postos de trabalho dos bons cristãos. A imprensa católica incentivou de modo frenético a caça aos judeus. O primeiro passo foi recusar a igualdade jurídica entre judeus e poloneses. “Não podem existir dois senhores (gospodarze) na terra polonesa, especialmente depois que a comunidade judaica contribuiu para desmoralizar os poloneses, tomou empregos e recursos dos poloneses, e quis destruir a cultura nacional”. O trecho de jornal católico é citado por Saul Friedländer (The Years of Extermination, Nazi Germany and the Jews, 1939-1945, New York, HarperCollins, 2007).

Não existe imprensa católica sem direção episcopal, ou imprensa comunista sem donos do Partido. A fonte da retórica anti-semita é a hierarquia. Durante a guerra entre Polônia e URRS de 1920, um grupo de antístetes se pronuncia sobre os judeus: “A raça que lidera o bolchevismo outrora subjugou todo o mundo com ouro dos bancos e agora, dirigida pela eterna ganância que flui em suas veias, busca subjugar finalmente as nações sob a férula de seu domínio”. Em Carta Pastoral (29/02/1936), a mais elevada autoridade eclesiástica da polônia, cardeal Augusto Hlond, tenta diminuir o imenso ódio. Mas os próprios termos da Pastoral são embebidos de anti-semitismo. “É um fato que os judeus guerreiam a Igreja Católica, que eles são ligados ao livre pensamento e constituem a vanguarda do ateísmo, do movimento bolchevista e da atividade revolucionária. É fato que os judeus têm uma influência corruptora sobre a moral e suas editoras espalham a pornografia. É verdade que os judeus cometem fraude, praticam a usura, negociam com a prostituição. (...) Mas sejamos justos. Nem todos os judeus... Podemos ficar longe da terrível influência dos judeus, fugir de sua cultura anticristã e especialmente boicotar a imprensa judaica, desmoralizando suas publicações. Mas é proibido atacar, bater, injuriar, caluniar os judeus” (ainda Friedländer). Depois de injuriar, caluniar e atacar os judeus, Sua Eminência diz que é proibido fazer o que ele mesmo diz ser “fato”, ser “verdadeiro”. Quanta caridade! Indicarei outras falas, da Europa e Brasil, que implicam altas patentes católicas na guerra de extermínio cujo ápice foi o Holocausto. A fala de Amoroso Lima foi extraída de C. M. Rodrigues no livro A Ordem, uma revista de intelectuais católicos, 1934-1945.

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