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domingo, julho 06, 2008

São Paulo, domingo, 06 de julho de 2008



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Bento 16 resgata tradicionalismo

Vinte anos após excomunhão de bispo anti-reforma, liturgia conservadora volta a dominar Santa Sé

Papa alemão apóia retorno à tradição como resistência à secularização e ressuscita o modelo de uma Igreja Católica mais autoritária


HENRI TINCQ
DO "LE MONDE"

Vinte anos atrás, em 30 de junho de 1988, o bispo francês Marcel Lefebvre desafiou a autoridade do papa João Paulo 2º. Em seu seminário de Ecône, na Suíça, reduto do integrismo católico, consagrou quatro bispos para garantir a continuidade da "tradição" contra o concílio Vaticano 2º, que chamava abertamente de "herético".
Anos de discussões com a Cúria romana (sobretudo com Josef Ratzinger) foram jogados por terra. Os fiéis se ajoelhavam, beijavam seus anéis. Ao mesmo tempo, um decreto fulminante de Roma excomungava Lefebvre (morto em 1991) e aqueles novos bispos, que passaram a ser "cismáticos" (frutos de um cisma).
Duas décadas mais tarde e apesar dos fracassos sucessivos das tentativas de "reconciliação" empreendidas por João Paulo 2º e, sobretudo, por Bento 16, o tradicionalismo, se não ganhou novos textos, conquistou mais espaço nas cabeças.
Enganaram-se aqueles -e eram muitos, na época- que interpretaram aquele episódio dos clérigos de Ecône, 20 anos atrás, como expressão de um folclore superado, destinado à lata de lixo da história, como nostalgia beata do incenso, do hábito e da missa em latim.
Os tradicionalistas continuam presentes. Majoritariamente francês em sua origem -devido à nacionalidade de Lefebvre e às reações francesas contra a liturgia moderna-, o fenômeno ganhou mundo.
A fronteira está cada vez mais porosa, com manifestações de fé e devoção encorajadas por Bento 16, por um clero jovem e por comunidades "novas" que defendem o retorno à tradição como modo de resistência à secularização.
Seminários da Fraternidade Santa Pio 10, núcleo irredutível do cisma, pipocaram na Alemanha, na Austrália, nos Estados Unidos (no Minnesota) e na América Latina. As gerações de sacerdotes (quase 500) que saem deles e de fiéis (600 mil, segundo fonte do Vaticano) herdeiros dessa dissidência vêm se renovando e já se instalaram em mais de 30 países.

Antiecumenismo
Tipicamente europeu, esse modelo de igreja autoritária, antiecumênica e antimoderna, dominada pela figura do santo padre encarregado do sagrado, foi exportado. Para os tradicionalistas, ele é o avalista dessa parte de mistério, de emoção e de beleza que é própria de toda tradição e que a missa moderna teria sacrificado.
Num mundo em explosão, o latim reencontrou o lugar de língua universal, e as concessões feitas às tradições culturais na Índia ou África empurrariam em direção à "tradição" os fiéis ligados a uma liturgia e um catecismo únicos.
Os tradicionalistas encontraram um aliado no papa alemão. Os fiéis se espantam com as audácias cometidas por Bento 16 em matéria litúrgica, na contracorrente de toda uma evolução registrada desde o Vaticano 2º. O mestre de cerimonial de João Paulo 2º foi substituído.
Bento 16 reinstaurou o trono de cor púrpura, bordejado de ouro, dos papas anteriores ao concílio, renunciou ao "bastão pastoral" de seus predecessores, símbolo de uma Igreja mais humilde, e trouxe de volta a "férula" em formato de cruz grega usada pelo papa mais reacionário do século 19 (Pio 9).
Bento 16 restaurou o costume da distribuição da hóstia de joelhos e pela boca, "destinada a tornar-se a prática habitual das celebrações pontificais", declarou no "L'Osservatore Romano" seu chefe de cerimonial, monsenhor Guido Marini. A França corre o risco de ficar estarrecida quando Bento 16 visitar o país, em setembro.
Um ano mais tarde, o decreto papal de julho de 2007 liberalizando o rito antigo em latim certamente não provocou manifestações acaloradas. Na França, esse chamado em favor da "missa antiga" teria sido ouvido por apenas 0,1% dos fiéis.
O número de paróquias em que ela é celebrada há um ano não passa de 40, somada às 132 que já a propunham.
Mas os tradicionalistas não desistiram de sua guerra insidiosa contra os bispos, os padres e a Cúria "modernistas". Eles rejeitaram o protocolo de acordo proposto por Roma para solucionar o cisma, que lhes exigia apenas que se comprometessem a respeitar a autoridade e a pessoa do papa.
Vítima de um jogo interminável de disputas, Bento se viu pressionado a anular as excomunhões de junho de 1988 e atribuir aos padres tradicionalistas um estatuto sob medida de "prelado nullius", que lhes garantiria a vantagem dupla de serem reconhecidos por Roma e se manterem independentes dos bispos.
Seria realmente esse o papa que nunca teria conseguido libertar-se de seu modelo bávaro, cujo cotidiano girava em torno da missa, da família, do Angelus dos campos e da música das cidades?
É duro imaginar que esse filósofo que dialogou com figuras do pensamento laico (Florès d'Arçais na Itália, Habermas na Alemanha), que orou numa mesquita (em Istambul), visitou sinagogas, escreveu encíclicas em tom moderno sobre o amor, possa amanhã abrir a porta aos cismáticos de 1988.
Em todas as religiões, a liturgia é a expressão de uma fé. Ela não pode ser dissociada da doutrina. Acontece que a direção foi determinada há mais de 40 anos, no concílio Vaticano 2º, mantido por Paulo 6º e João Paulo 2º. Hoje, reina em Roma um neoconservadorismo incentivado não tanto pelo papa quanto por grupos que nunca renunciaram à igreja autoritária do passado. A reintegração dos cismáticos corre o risco de ser efetuada ao preço de uma erosão das conquistas dos últimos 40 anos. Seria o triunfo póstumo de Lefebvre.


Tradução de CLARA ALLAIN

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