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quinta-feira, maio 31, 2007

Técnica, guerra, ética (2)

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Técnica, guerra, ética (2)


Aristóteles afirma que a técnica mostra a potência do homem. Este possui múltiplos instrumentos graças à polivalência da mão, “um instrumento que substitui os outros. É ao ser capaz de adquirir o maior número de técnicas que a natureza deu a mão, o instrumento mais útil. Erra quem diz que o homem é menos bem constituído do que os animais, porque não tem sapatos ao nascer, é nu e não tem armas de combate. Pois os animais só têm um meio de defesa e não lhes é possível mudar para fazer um outro, nunca podem retirar a armadura ao redor de seu corpo nem mudam a arma que receberam ao nascer,(...) a mão torna-se garra, serra, chifre, lança ou espada, ou qualquer outro instrumento. Ela pode tudo pegar e tudo manter”. (Partes dos Animais, 687 b).

Instrumento que produz instrumentos, a mão revela a inteligência humana. Ser homem é ser capaz de adquirir técnicas permitindo a adaptação ao meio natural. São estudados macacos que produzem bastões para apanhar coisas. Mas aquela técnica não entra numa cadeia operacional, como ocorre entre os humanos. O instrumento implica potências intelectuais e lingüísticas desenvolvidas. Como diz A. Leroi-Gourhan, a palavra foi liberada pela mão. Esta última resulta de toda uma mudança técnica no corpo humano: a postura ereta, conquista de milênios e milênios, permitiu diminuir o queixo e aumentar a caixa craniana. Da nova postura nasceu o olhar à distância, as mãos se liberam num sistema novo que permite à boca produzir sons ressoando as batidas dos instrumentos de percussão, dando-nos o sentido do tempo, além do espaço. A fala nasce como garra invisível que prende o espaço e instaura o tempo.

A técnica permite ao corpo humano transformado, com fala e mãos, recuar diante da realidade. O animal está imerso no meio natural. O homem representa a natureza e figura cada objeto em sua fala e consciência. Recordemos a tese de Leibniz: os animais percebem e o homem percebe a si mesmo. Segundo Leroi-Gourhan, a formação do homem e da técnica ocorre num processo simbiótico: não sabemos se o homem produz ou é produzido pela técnica. A técnica é tendência universal no processo evolutivo do homem, uma solução zoológica da nossa espécie na luta contra a natureza. Antropogênese é tecnogênese. "A aparição do homem é a aparição da técnica. O instrumento, a técnica, inventam o homem”. A mão pede o instrumento, uma prótese. O "gesto", por sua vez, induz a fala. "O instrumento para a mão e a linguagem para a face são os dois polos do mesmo dispositivo”.

Elias Canetti descreve as propriedades das mãos (Massa e Poder). Num deslocamento rápido - Canetti retroage à era em que vivíamos nas árvores - as duas mãos não fazem a mesma coisa, num só momento. Uma tenta alcançar o galho seguinte, outra segura o ga o anterior. O ato de segurar é estratégico pois é a única coisa que impede a queda. A mão, sobre a qual pende todo o corpo, não pode soltar o que segura. Assim, ela adquire o hábito de uma grande tenacidade. Quando o outro braço alcança o galho seguinte, o galho anterior deve ser solto. Soltar com a rapidez do relâmpago é a aptidão que se agrega às mãos em nossa pré-história. Pegar-soltar-pegar-soltar. Num mesmo instante, uma das mãos faz o contrário da outra, o que dá aos macacos e ao ser humano que estava nascendo a leveza para seguir em frente.

O comércio, diz Canetti, guarda semelhante habilidade manual, pois consiste em dar algo em troca de algo. Uma das mãos agarra o objeto com o qual tenta induzir o interlocutor a comprar. A segunda segue para o outro objeto, que se pretende obter em troca. Quando determinada mão toca o objeto pretendido, a outra solta a sua propriedade. Não antes, porque poderia ser privada do que tem. Para evitar isto, vem o sobreaviso na negociação, observa-se o interlocutor. A alegria do comércio em parte se explica porque ele perpetua uma das mais antigas formas de movimento, em atitude psicológica. A grandeza da mão está na paciência, os seus processos compassados criaram o mundo em que vivemos.

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Como curiosidade, leia-se a reportagem da Folha Ciência de 01/06/2007:

Humano se tornou bípede caminhando nas árvores

Estudo sugere que primata ancestral já sabia andar quando se tornou "terrestre"

Análise da locomoção de orangotangos mostrou que andar sobre duas patas traz vantagem até para espécies que não vivem no chão







Hardi Baktiantoro/Reuters


Orangotangos pendurados em árvore na ilha de Bornéu


RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Os ancestrais do ser humano aprenderam a andar como bípedes ainda quando viviam nas árvores, e não quando passaram a viver nas savanas. Essa nova teoria está sendo proposta por três pesquisadores britânicos depois de analisarem cerca de 3.000 exemplos de movimentação de orangotangos.A teoria se insere em um corpo de novas descobertas mostrando como está cada vez mais difícil mostrar um ponto de transição entre os antigos macacos e os ancestrais humanos.Foi preciso ficar um ano estudando orangotangos selvagens na floresta tropical da ilha de Sumatra, na Indonésia. Estes grandes macacos asiáticos passam toda a vida habitando o topo das árvores.

O estudo foi feito por Susannah Thorpe e Roger Holder, da Universidade de Birmingham, e Robin Crompton, da Universidade de Liverpool, ambas no Reino Unido, e está na edição de hoje da revista "Science" (www.sciencemag.org).A análise mostrou que os orangotangos andam com duas patas e usam os braços para se equilibrar quando vão atrás de frutas na ponta de galhos menos resistentes. Os pesquisadores chamam essa movimentação de "bipedalismo ajudado com as mãos".


"Uma questão fundamental na evolução humana é como os seres humanos modernos e seus ancestrais se tornaram bípedes terrestres", escreveram os autores. Um dos motivos é que a aquisição do bipedalismo é geralmente usada como marco para riscar a fronteira que separa a linhagen do homem -e seus ancestrais- da dos grandes macacos africanos e asiáticos (chimpanzés, gorilas e orangotangos).

A teoria tradicional para explicar a passagem da movimentação quadrúpede para bípede afirma que a transição ocorreu depois que a mudança climática diminuiu as áreas de floresta, forçando o ancestral dos humanos a viver no chão, ou, a princípio, se locomover entre campos vazios para passar de uma área de floresta a outra.Os antigos macacos ancestrais dos humanos teriam criado a princípio o modo de andar típico hoje de chimpanzés e gorilas, que apóiam no chão os nós dos dedos da mão.

A equipe britânica agora diz que o bipedalismo já devia existir entre os habitantes das árvores. "Nossa conclusão é que o bipedalismo arbóreo tem benefícios adaptativos muito fortes. Por isso nós não precisamos explicar como nossos ancestrais passaram de quadrúpedes a bípedes", declarou Thorpe.Achados fósseis têm mostrado que nem sempre havia uma separação muito nítida sobre a vida na árvores ou no chão, e a movimentação em quatro ou duas patas.

"Está ficando cada vez mais e mais difícil para nós dizer o que é humano e o que é macaco, e nosso trabalho é mais um exemplo", disse Crompton.A nova teoria "é um argumento plausível e elegante que explica a emergência dos bípedes em um contexto arborícola, em lugar de terrestre", afirmaram os pesquisadores Paul O'Higgins e Sarah Elton, de Hull York Medical School, comentando o estudo em artigo na mesma edição da revista.

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