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quinta-feira, maio 31, 2007

Leiam, por favor, os ultimos §§ do artigo abaixo, e vejam a data. E digam se quem defende a autonomia quer irresponsabilidade do setor universitario.

Folha de São Paulo 05/08/1999.

Universidades: autonomia ou morte?


ROBERTO ROMANO
O Ministério da Educação está encaminhando ao Parlamento o projeto de autonomia por ele considerado o mais propício à mudança institucional dos campi. Desde 1988, com a Carta Magna, a matéria já deveria estar na pauta de todos os brasileiros preocupados com a ciência e a tecnologia. Dois aspectos que a proposta a ser enviada pelo Executivo tenta resolver precisam ser bem observados. Em primeiro lugar, o estatuto da autonomia na própria Constituição. No segundo plano, mas com muita relevância, segue a necessária administração dos dinheiros públicos quando alocados nas universidades.

No primeiro ponto, juristas competentes afirmam, sem muita discrepância entre si, que a Constituição já garante a autonomia universitária, não sendo possível que uma lei menor a defina e oriente. A exegese da Carta Magna, se forem afastados as paixões e os interesses imediatos, é translúcida. Como indica a jurista Anna Candida da Cunha Ferraz na "Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo", citando Saulo Ramos: "O conteúdo intrínsecodesse postulado não se alterou. Da constitucionalização desse princípio, aúnica consequência que se pode extrair é, sem dúvida, a eficácia derrogatória e irrecusável da norma que o contempla, cuja supremacia seimpõe à observância necessária do legislador ordinário". Desse enunciado se originam os seguintes, definidos pela jurista: a autonomia, para as universidades, "representa proteção reforçada contra o arbítrio e a invasão dos entes legislativos inferiores". Tal princípio deveser lido segundo a Carta; "ele possui uma dimensão fundamentadora,interpretativa, integrativa e diretiva para a aplicação do instituto, seja nos planos legislativo e executivo de qualquer nível do sistema constitucional brasileiro, seja no tocante à sua aplicação em geral".

Sendo assim, "o exercício e a aplicação da autonomia universitária não estão condicionados à lei. A autonomia universitária não se faz na forma da lei. A norma constitucional que abriga o princípio é de eficácia plena, independendo, portanto, de lei para ser aplicada. Leis que, de qualquer modo, alcancem as universidades não podem ter como objetivo ou finalidade
conceder ou restringir sua autonomia. Toda e qualquer lei que abrigue normas relativas à universidade, ou a ela se dirija, deve se conter nos limites da Constituição (...), a fim de não frustrar a garantia institucional da autonomia".

Para o exame do mencionado projeto do governo, se considerarmos a palavra abalizada dos juristas, é preciso que os legisladores tenham grande prudência, pois o princípio da autonomia universitária é sincrônico e coessencial às garantias que o povo brasileiro deu a si mesmo ao proclamar a "Constituição cidadã". Ocorrendo ligeireza no trato desse problema, estará aberto o caminho para todas as aventuras políticas, mesmo que estas tenham a chancela de um governo. Se o princípio da autonomia universitária tem semelhante natureza, não se deduz daí que os campi devam ser imunes à responsabilidade pelos recursos públicos que neles são depositados. A Folha trouxe, em data recente, a notícia de que uma espécie de "Anatel" estaria sendo cogitada para as universidades. Estas seriam seguidas por uma agência externa. Se tal
organismo mostrar-se tão eficaz quanto o que se dedica ao controle das empresas telefônicas, estamos em péssimos lençóis. Mas resta o fato: é preciso que todas as universidades prestem contas dos bens públicos nelas depositados. E a forma de efetivar isso pode e deve ser regulada por lei infraconstitucional.

Tempos atrás, analisando as universidades paulistas, fiz a proposta de criar uma comissão integrada por membros dos três Poderes políticos, pela própria universidade e por segmentos civis para exercer o acompanhamento e o controle externo das verbas públicas em todos os campi, públicos e privados. A idéia era simples: a comissão se reuniria anualmente, antes de a proposta orçamentária receber uma forma definitiva. Tendo em mãos o plano de pesquisa, docência e extensão de todas as instituições acadêmicas e conhecedora das planilhas de custos, a comissão julgaria cada uma das universidades em que verbas públicas fossem alocadas. As que justificassem seus gastos, segundo o plano coletivo de atividades apresentado à comissão, receberiam parecer positivo antes que o Orçamento do Estado fosse definido. As que não pudessem dar razões convincentes sobre seus gastos teriam sanção negativa. A transparência, a isonomia no trato dos três Poderes com a universidade, a presença de representantes da vida civil e dos próprios universitários garantiria um estatuto digno e autônomo às instituições de ensino superior.

De fato, entre as facetas negativas da universidade brasileira está o mimetismo por ela assumido em face do Executivo político. O estilo, imperante nos campi, de controle quase absoluto das reitorias sobre os conselhos permite muito arbítrio e desperdício de verbas. A cada quatro anos, um novo reitor estabelece seus planos, sem considerar os antigos, e desativa projetos para aplicar recursos em outros -não raro, por motivos pouco nobres de política universitária. Se o governo está de fato interessado em promover uma melhor gestão financeira nas universidades sem cometer um crime contra a autonomia
universitária, algo semelhante à comissão de controle externo deveria ser pensado. Na trilha que está sendo aberta pelo Ministério da Educação, entretanto, é mais provável que a segunda hipótese constitua a verdade. É tempo de apelar para a prudência dos Poderes, para que nossas universidades saiam da indefinição institucional em que se encontram sem caminhar para seu puro e simples aniquilamento.

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