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quarta-feira, maio 09, 2007

Correio Popular de Campinas, 09/05/2007




Publicada em 9/5/2007


Moderação pontifícia

Roberto Romano

A visita de Bento XVI tem alvos religiosos, políticos, diplomáticos. Ele exibirá no Brasil títulos pomposos, em uso sobretudo simbólico. Pontifex Maximus, Successor principis apostolorum, Princeps sui iuris civitatis Vaticanae e outros. O bispo de Roma foi chamado de tudo, inclusive de Consul Dei, pater Europae. É muito difícil encontrar homens que tiveram tamanho poderio político e religioso. Alexandre Magno desejou ser deus, mas sua divindade possuia apenas a força militar como base. Durou pouco. César teve pretensões idênticas, e morte trágica. Napoleão gostaria de ser Eterno. Contra os poderosos, o Sumo Pontífice conseguiu enfeixar o báculo e a espada. A tiara tríplice, hoje sem uso por obra de Paulo VI, mostra o desejo de controlar corpos e almas humanos. Diz E. Canetti que perto da Igreja os poderosos são meros diletantes, estadistas são desprovidos de qualificações e força. A piada de Stalin sobre as forças militares vaticanas foi respondida por João Paulo II, na morte da URSS. O poder religioso é desmesurado. Por tal motivo, na coroação do Papa um diácono, a cada cem metros, acendia uma estopa dizendo: “Santo Padre, assim passa a glória do mundo”.

O poder arrogante arruina todas as éticas, mesmo a religiosa. No Tratado para a Reforma do Intelecto, Spinoza analisa os supostos valores do desejo humano. Ele escreve ao gosto da cultura barroca, cujo lema é a sapiência salomônica: Vanitas vanitatum et omnia vanitas. Vaidade das vaidades, tudo é vaidade, ou na transcriação do poeta Haroldo de Campos, “Névoa de nadas/névoa de nadas/tudo névoa-nada”. A morte se manifesta em tudo, pensam os escritores barrocos ao seguir a Igreja, atormentada pelas guerras religiosas da Reforma e das lutas dinásticas. Com o vazio que ameaça todos os seres, vem o apelo ao sonho, traço constante nos textos barrocos : “Yo sueño que stoy aqui/de estas prisiones cargado,/y soñé que en otro estado/más lisonjero me vi./Que es la vida? Un frenesi. /Que es la vida? Una ilusion,/Una sombra, una ficción, /y el mayor bien es pequeño, /que toda la vida es sueño,/ y los sueños sueños son/”. (Calderon). Vida verdadeira? Sonho... aparências das quais não conseguimos nos libertar.

Segundo Spinoza, a experiência ensina que os eventos comuns da vida são fúteis e vãos (omnia, quae in communi vita frequenter occurrunt, vana et futilia esse). O pensador acentua os temas barrocos do pesadelo que assalta todos os humanos, mas rompe com o ideário de seu tempo ao afirmar que medos e esperanças são produzidos por coisas que, em si mesmas, não apresentam nada que seja bom ou péssimo em si mesmas. Eles assumem aquela aparência para as almas já imersas no pavor e no desejo. Seria preciso, em vez de lamentar os sofrimentos trazidos por entidades vãs, buscar com método algo cuja descoberta e aquisição proporcionassem alegria eterna. Os homens costumam atribuir valor supremo a três coisas: riqueza, honras, prazer sensual (divitias scilicet, honorem atque libidinem). A mente, com esses desejos, se distrai na via para o saber. Das coisas que distraem o homem, as honras são mais relevantes. Como o prazer sensual e a riqueza, quanto mais o sujeito aumenta a sua posse desses bens, mais ele os deseja. Seu rumo é o indefinido. Os gregos possuem uma palavra para nomear essa experiência : pleonexia. De mesma raiz de “pleonasmo” (do tipo “eu ouvi com os meus próprios ouvidos”) a pleonexia é o desejo de conseguir mais e mais do mesmo prazer ou posse. Na República, pleonexia demonstra cobiça infinda de poder em indivíduos e grupos. Spinoza as sugestões platônicas da pleonexia.

Bento XVI é sóbrio quando se trata de glória mundana. Mas sabe mover a vaidade dos poderosos. Lula que se cuide. Se houver distração sua, o Papa retorna com uma Concordata que prejudica ainda mais a ciência e a democracia no Brasil. Sigamos a visita cautelosamente como ensina Spinoza.





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