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segunda-feira, maio 14, 2007

Enviado por Alvaro Caputo, um artigo de William Waack.

Bento XVI e os desafios da modernidade

Têm razão os que dizem que Joseph Ratzinger não mudou muito sua forma de pensar ao longo de várias décadas -se isto é positivo ou negativo é outra história. No caso do discurso político que ele fez aos bispos latino-americanos, na abertura da 5ª Conferência do CELAM, um dos aspectos mais interessantes é o fato de Bento XVI ter desenvolvido argumentos que são idênticos aos que ele defendeu em seu já célebre debate com o filósofo alemão Jürgen Habermas, na Academia Católica de Munique, há dois anos.

É um ponto sobre o qual reinou uma notável convergência de posições entre o ex-teólogo chefe do Vaticano, o inflexível defensor dos dogmas da Igreja, e o intelectual descrito como uma das mais importantes expressões do pensamento de esquerda moderno europeu. Ambos, o Papa e Habermas, partem da premissa de que o moderno Estado laico tem sua legitimação na sociedade democrática, mas não pode se basear apenas na „razão pura" e no „positivismo do princípio da maioria" (Ratzinger).

Para que o moderno Estado não se reduza a princípios como o de meras trocas mercantis, assinalou Habermas, é preciso que ele ouça a religião, „para impedir que a moral se dissolva em categorias econômicas". Em outras palavras, tanto o filósofo („o pensador chefe da Alemanha", como é tratado por parte da imprensa alemã) como o Papa estão preocupados com o relativismo moral de Estados e sociedades modernas. Habermas reconhece o cristianismo como „o fundamento normativo para a auto compreensão da modernidade", pois da idéia do „universalismo igualitário" (uma das expressões mais antigas do cristianismo) nasceram as noções de liberdade, solidariedade, direitos humanos e democracia.

O que isso tudo tem a ver com América Latina? A interpretação do Papa da chegada do cristianismo à América Latina provavelmente despertará enormes debates, pois ele se opõe rigorosamente ao que se poderia chamar de revisionismo histórico em relação às culturas pré-colombinas. Havia uma „sede de Cristo" nessas culturas, diz ele -e os mais afoitos verão aí uma reprodução de frases dos conquistadores ibéricos, que catequisaram mais pela espada do que pela cruz. Sofisticado como é, Ratzinger está empenhado em dizer outra coisa: a formação das sociedades latino-americanas é cristã, no sentido também da racionalidade ocidental.

Talvez o ponto essencial do discurso político aos bispos e cardeais latino-americanos reunidos em Aparecida esteja contido no trecho em que o Papa aborda a questão de quais seriam as estruturas justas de uma sociedade. Em primeiro lugar, diz ele, não cabe à Igreja criar essas estruturas, isso é função do Estado (mais um ponto de concordancia entre Ratzinger e Habermas no debate citado acima). Daí a frase „a Igreja não faz proselitismo". Recado para a Teologia da Libertação? Não só.

Agora entra o problema abordado lá nos primeiros parágrafos: não podem existir estruturas justas se não existir „um consenso moral da sociedade sobre valores fundamentais e sobre a necessidade de viver esses valores com as necessárias renúncias, discursou o Papa em Aparecida. E aqui está, na visão de Ratzinger, o papel da igreja frente aos desafios da modernidade. Como visão política, o raciocínio do Sumo Pontífice é claro e bem linear: uma igreja que não se afasta de seus princípios, princípios inegociáveis, é a igreja que poderá atuar melhor no combate à miséria, exclusão, desigualdade e injustiça social.

É um problemaço para os bispos e cardeais latino-americanos escolherem agora rumos de ação. Não há dúvidas de que Ratzinger, o intelectual, está empenhado em colocar o debate vários degraus acima do enfadonho „conservadorismo‰ contra „reformismo‰. Suas críticas ao marxismo e ao capitalismo são as mesmíssimas que seu antecessor, João Paulo II, repetiu mundo afora durante 27 anos (Ratzinger ainda soa menos anti-capitalista do que Karol Wojtyla). As frases pronunciadas contra „tendências autoritárias" valem para qualquer tipo de demagogia populista latino-americana em qualquer época.

Talvez seja difícil conviver com um Ratzinger devido ao incômodo que ele provoca. Não é fácil engavetá-lo sob uma fórmula. Não precisamos concordar com as doutrinas sociais e a moral sexual da igreja para reconhecer com ele -como o fez Habermas- que a modernidade é perturbadora pois não traz automaticamente felicidade, nem melhores comportamentos, nem justiça, nem igualdade, nem valores.

E, ainda por cima, Bento XVI saiu da conferência do Celam deixando uma tremenda pergunta no ar -que pode ser interpretada como seu grande recado à Teologia da Libertação-, feita em seu discurso: „o que é realidade?" indagou.
William Waack

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