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quinta-feira, maio 03, 2007

Na Folha de Sao Paulo, jornal onde tambem publiquei o artigo "O PT e a dignidade da oposiçao"...

Folha de São Paulo, 09/08/2001.

TENDÊNCIAS/DEBATES

A oposição dos "inimigos"
ROBERTO ROMANO

É triste notar a facilidade com que certos teóricos aplicam, aos adversários do governo, o epíteto de "inimigos"


Dois fatos dominaram a vida coletiva nos últimos dias. Um foi o "pacote ético" exposto à Câmara; outro veio à tona com a reportagem de Josias de Souza sobre a espionagem e os demais atos de pessoas ligadas ao Exército. Os eventos ligam-se de modo relevante.
Desde o governo Vargas, acusado de corrupção (o "mar de lama"), a ordem repetida no Brasil é defender a ética. Jânio Quadros foi eleito para moralizar. O golpe de 64 pretendia destruir corruptos e subversivos. Durante o governo castrense, a imprensa notou fortes indícios de corrupção administrativa, mas pouco veio à tona, por razões óbvias. Enquanto isso, as oposições foram banidas e torturadas e os seus líderes assassinados na calada da noite.
No governo Sarney, formou-se o "centrão" parlamentar, com o sacrílego "é dando que se recebe". Como fruto de tal licença política, foi eleito Collor de Melo. Varrido pela opinião pública, que nele viu uma fraude ética, o seu governo foi encarado como um dos mais corrompidos de nossa história. Ele tentou reprimir a imprensa, chegando à invasão desta Folha, mostrando que pretendia herdar o "argumento" dos militares: a metralhadora na boca dos críticos.
Apesar dessa crônica imoralidade administrativa, com os trágicos resultados trazidos pelas tentativas de remediá-la, boa parte de nossos políticos permanece insensível e saqueia os recursos nacionais. Logo, apenas 30% dos eleitores brasileiros, segundo pesquisas recentes, confiam no mando democrático.
A descrença popular foi reforçada por muitas idéias. Embalados pela Guerra Fria, os castrenses elaboraram uma doutrina de segurança nacional para justificar a caça aos "inimigos" do país, os corruptos e os subversivos. Com a ditadura, os segundos foram mortos; os primeiros foram premiados com cargos rendosos e rentáveis. Esse modo de pensar e agir foi repetido pela propaganda em 20 anos de arbítrio.
Toda a prudência é requerida dos democratas em relação ao discurso em prol do regime de força e da moralidade pública. Ele enraizou na consciência social a descrença no Estado de Direito. O uso tático da moral para fins eleitorais só reforça o preconceito coletivo.
Quem propõe um "pacote ético" deve saber os limites dos políticos, acostumados aos privilégios. Se eles repelirem -como já anunciaram- as mudanças indicadas -sobretudo a da publicidade das contas bancárias-, aumentará a popularidade da tese ingênua sobre o quanto seria bom o retorno à ditadura.
Na ditadura, a massa se divide entre os apoiadores do governo e os seus "inimigos". E não é ruim, segundo os áulicos e policiais, "eliminar" a alma e o corpo desses "inimigos".
É triste notar a facilidade com que certos teóricos aplicam, aos adversários do governo, o epíteto de "inimigos". O saber histórico e filosófico recomenda esquecer tais nomeações.
A cidadãos opostos aos administradores, é lícito chamar apenas de "adversários". Como mostram os textos revelados por Josias de Souza, matar os "inimigos" seria, para os autoritários, só "um arranhão nos direitos" do povo. Os ferimentos das ditaduras, a de Vargas e a dos militares, ainda sangram e ameaçam se abrir ainda mais, destruindo pátria e fraternidade em nossa terra.


Roberto Romano, 55, é professor de filosofia na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

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