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quinta-feira, maio 17, 2007

O paradoxo barato, vulgar, mediocre de alguns jornalistas.

Recurso conhecidíssimo, banal mesmo, entre pessoas cultivadas (mas nem por tal motivo honestas, pois cultivo não é idêntico ao bom caráter) é o uso do paradoxo em retórica. Como o nome diz, trata-se de ir contra a "doxa" imperante num meio social, político, religioso, artístico, etc. A opinião é sempre incerta, brilha mas não pode verificar o que se diz sobre as coisas em debate. Como a maioria partilha certos valores e diagnósticos, é difícil chamar a atenção dos já convencidos, inclinados a pensar segundo certas teses. A "doxa" é bem o universo do "se", examinado com argúcia por Heidegger em "Ser e Tempo". Ir contra ela é tarefa quase impossível, se forem observadas a lógica, a sintaxe e a semântica nela inseridas. O sofista grego, mestre na arte de chamar a atenção sobre seu nome e corpo (para ganhar umas dracmas a mais, uma notoriedade maior, etc) inventou o paradoxo, técnica que consiste em violentar tudo o que nas fórmulas estabelecidas dá às teses da doxa um tom assertivo. Assim, os paradoxos de Aquiles e a tartaruga, o elogio de Helena, o encômio das môscas, etc. Erasmo, acusado com plena razão por Lutero de ser um herdeiro da sofística, escreve o "Elogio da Loucura", para caçoar dos padres, dos advogados, dos teólogos, etc.

No século 18, o lacrimejante e desonesto Rousseau usou o paradoxo à exaustão. Um dos primeiros de imensa lista, é o dirigido aos juízes do concurso para saber se as artes e as técnicas são úteis à humanidade. O malandro conta ter recebido um choque místico ao visitar Diderot na prisão de Vincennes. De repente (Eureka....) veio a solução para o seu texto: ir contra a ciência, as artes, as técnicas... Diderot conta uma história diversa: o salafrário recebeu dele, Diderot, aquela via. Faz sentido: Diderot assumiu a técnica do ceticismo e da sofística com liberdade bem mais ampla do que o pretenso pregador da Virtude. Há um comentador nosso contemporâneo (não digo o nome, porque jornalistas devem ler um pouco, sem receber a papinha quente dos "inúteis acadêmicos" ) que prova ter sido mesmo Diderot o autor da sugestão pilhada por Rousseau. E faz isto com provas materiais: ao ser preso, Diderot levou consigo "O Paraíso Perdido" de Milton e um "Platon de Poche", em grego. Sem dicionários, gramáticas, outros textos, etc. e com tinta extraída de ardosia, ele traduziu trechos de Platão, exatamente usados por Rousseau em seu trabalho premiado pela Academia. Pois bem, exatamente onde Diderot se equivoca ou mesmo erra, na tradução dos diálogos platônicos, Rousseau copia no pé da letra....a tradução didedotiana, sem citar o seu grande "amigo". Diderot conhecia o grego razoavelmente. Não era o caso de Rousseau, que só lia Platão no latim, segundo o trabalho de Marcilio Ficino. Assim, fica meridiano o plágio da tradução....errada! Nos mesmos trechos, traduzidos por Ficino, não ocorrem os erros cometidos por Diderot, copiado pelo lacrimoso. Mas serviu o paradoxo para dar notoriedade a Rousseau, ingrato que terminou seus dias caluniando Diderot nas "Confissões" (um paradoxo imenso, da primeira à última linha).

A técnica do paradoxo serviu, no entanto, na difusão das Luzes, como demonstram com maestria Erich Auerbach e Leo Spitzer.

Também na luta contra as Luzes, o conservadorismo liderado por Joseph de Maistre e quejandos, usou o procedimento em larga escala. Diz Sainte Beuve ("Port Royal") que De Maistre, exilado na Rússia, ditava seus textos ao secretário, modificando-os para gerar mais fúria entre os leitores que viviam "là bas", na França. "Escreva isto! Eles ficarão fulos là bas..., não escreva aquilo, eles ficarão ainda mais bravos!". O paradoxo enquanto arma, para fazer as próprias teses conhecidas, trazendo de quebra alguma importância ao seu autor...

No Brasil, jornalistas que frequentaram escolas jesuíticas ou universidades de elite, conhecem a retórica e as suas manifestações várias. Como sabem que a cultura média...da classe média brasileira (a leitora de revistas e jornais) é...medíocre, usam a técnica do paradoxo, mas não contam.

Assim, quando o debate segue um rumo determinado, lá vem o jornalista charlatão com o paradoxo, sempre afirmando coisas sem outra base a não ser a sua vontade, o seu imenso Ego.

Cansei desses marketeiros de si mesmos.

Mas acho que o Brasil está entregua nas suas mãos. Ou nas palmas dos merketeiros políticos. Aliás, são gêmeos siameses.

Roberto Romano

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