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quarta-feira, maio 16, 2007

O que significa mesmo um ESTADO LAICO?







Cardeal Bellarmino, o teórico do "poder indireto" e ligado ao caso Galileu.



Johannes Althusius

Estado laico e Igreja

Roberto Romano

Em polida entrevista com excelentes profissionais da rádio Bandeirantes/Campinas, perguntas difíceis sobre ética, como no caso do aborto, foram debatidas por este colunista. Seria correto o abrandamento legal para evitar aquele ato? A resposta não estaria na abstinência e na responsabilidade? Todo católico tem obrigação de acatar as determinações do papa. Caso contrário, o suposto fiel vive em existência dúplice, num palco de hipocrisia. O alheio ao rebanho não é obrigado a obedecer. Daí para a prática, há um abismo.

Outra pergunta inclui o Estado laico. O significa a fórmula? A ressonância histórica leva à democracia grega. Alí, a palavra laikos (unida a laos) designa o povo. Como este era soberano, a autoridade para proclamar leis lhe cabia. No cristianismo, o termo “laico” designou os membros da Igreja que não eram nem sacerdotes, nem pertenciam à ordem religiosa. Isto correspondeu ao domínio da nobreza feudal e ao governo dos reis, com a sua complicada estrutura de classes. O leigo não estava incluído no primeiro estado (o clero) nem no segundo (a nobreza). Nas cidades, renitentes ao jugo do rei e dos nobres - e também da Igreja - leigo era o “burguês”. Com a Reforma, a noção de Igreja sofre uma reviravolta. O protestante nega a autoridade católica, proclama o sacerdócio universal dos fiéis. A hierarquia foi reduzida ao mínimo (bispos ou presbíteros). O povo (laos) torna-se a efetiva base eclesiástica.

Com a radicalização política de setores protestantes (sobretudo os mais perseguidos pelos príncipes reformados e católicos), parte considerável dos rebeldes (entre eles, os liderados por Thomas Münzer) seguiu para países como a Holanda e Inglaterra. As idéias radicais, abafadas no continente, medraram na hoje Grã-Bretanha. No mesmo tempo, as noções de soberania popular e laicidade do Estado conquistam espaços na França, na Alemanha, etc. Um defensor da soberania popular foi Johannes Althusius (do qual surgiu há pouco a tradução brasileira de sua Política). Para Althusius, o poder estatal (potestas publica) é propriedade inalienável do povo. O governo é dito por ele major singulis (tem mais autoridade do que os indivíduos privados) e minor universis collegis (menor do que o corpo dos cidadãos). Com a Revolução inglesa do século 17, norte-americana e francesa do século 18, consolida-se a soberania popular.

A Igreja não aceitara as doutrinas protestantes sobre a horizontalização da autoridade religiosa. Mas seria difícil continuar, após a ruptura política que sucedeu a Reforma, exigir a plenitudo potestatis do Pontífice romano. Esta pretensão foi acirrada desde a Bula Unam sanctam. Nesta, o papa afirma que o seu poder é semelhante ao Sol e o do rei apenas comparável à Lua. Quando isto foi dito, a luta entre os poderes seculares e religioso estava decidida em favor dos primeiros. Na Reforma, o rei já era senhor da ordem pública, incluindo o setor religioso. No Concílio de Trento, o cardeal Bellarmino imagina como solução para o convívio entre Estado e Igreja, a teoria da "potestas indirecta" do papa sobre os governos. A Igreja seria o poder soberano espiritual, superior na ordem dos fins aos Estados. (Cf. Bellarmino, R. : “De potestate summi Pontificis in rebus temporalibus”, 1610). Embora não abandonando as pretensões de poder direto, a Igreja passa a ser mais comedida. Mesmo a "potestas indirecta", no entanto, foi recusada pelos absolutistas que defendiam o Estado. No "Leviatã" surgem pesadas críticas ao poder indireto, ideado por Bellarmino.

Após as revoluções democráticas, a soberania popular torna-se algo adquirido em termos doutrinários. Estado laico é aquele no qual o povo (laos) rege, desconhecendo toda autoridade externa, mesmo divina. Nas Concordatas com Hitler e Mussolini, o Vaticano imaginou que aqueles governantes seguiriam a "potestas indirecta". O desastre indicou a prudência para a Igreja. Sobre o assunto, três livros antigos são grande fonte de informações: Ullman, W. : The growth of papal government in the Middles Ages, Watt, J.A. : Papal Monarchy in the thirteenth century, Gierke, O.: Natural Law and the Theory of society. 1500-1800.


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Batalha de Frankenhausen, em 1525. Thomas Münzer prepara os camponeses para a luta contra os principes. Derrotados os camponeses, Münzer foi preso e executado três meses depois.




Thomas Münzer pintado como anjo, anuncia uma nova era a um perplexo camponês. "Não tenha medo, vocês está lutando a luta do Senhor. Não deixe o sangue secar em sua espadas".(Münzer)

pages.slc.edu/.../slideshow/slide2.html



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COMO NOTEI MUITA FALTA DE CULTURA HISTÓRICA, POLÍTICA, RELIGIOSA E OUTRAS CARÊNCIAS EM JORNALISTAS, QUE ESCREVERAM OU FALARAM NOS ÚLTIMOS DIAS BARBARIDADES SOBRE O ESTADO, A IGREJA E QUEJANDOS, MOSTRANDO SER ARROGANTES E IGNAROS, SEGUE UM PEQUENO CONTRIBUTO PARA QUE ELES ENTENDAM QUE PROBLEMAS COMO A LAICIDADE PRECISAM SER ANALISADOS COM OLHOS MAIS FINOS, SABERES MENOS INDIGENTES. SEGUE ABAIXO UM PEDAÇO SIGNIFICATIVO DA BULA "UNAM SANCTAM". QUEM SABE, NA ELEIÇÃO DO PRÓXIMO PAPA, TENHAMOS UM POUCO MAIS DE CULTURA E DE RESPEITO AOS FATOS, POR NOSSOS DONOS DO UNIVERSO, OS JORNALISTAS....

ROBERTO ROMANO









Unam Sanctam

Pope Boniface VIII

Promulgated Nov. 18, 1302 and defining the doctrine of “no salvation outside the Church” or without submission to the pope, be they Greek Orthodox or others.

Urged by faith, we are obliged to believe and to maintain that the Church is one, holy, catholic, and also apostolic. We believe in her firmly and we confess with simplicity that outside of her there is neither salvation nor the remission of sins, as the Spouse in the Canticles [Sgs 6:8] proclaims: ‘One is my dove, my perfect one. She is the only one, the chosen of her who bore her,’ and she represents one sole mystical body whose Head is Christ and the head of Christ is God [1 Cor 11:3]. In her then is one Lord, one faith, one baptism [Eph 4:5]. There had been at the time of the deluge only one ark of Noah, prefiguring the one Church, which ark, having been finished to a single cubit, had only one pilot and guide, i.e., Noah, and we read that, outside of this ark, all that subsisted on the earth was destroyed.


We venerate this Church as one, the Lord having said by the mouth of the prophet: ‘Deliver, O God, my soul from the sword and my only one from the hand of the dog.’ [Ps 21:20] He has prayed for his soul, that is for himself, heart and body; and this body, that is to say, the Church, He has called one because of the unity of the Spouse, of the faith, of the sacraments, and of the charity of the Church. This is the tunic of the Lord, the seamless tunic, which was not rent but which was cast by lot [Jn 19:23- 24]. Therefore, of the one and only Church there is one body and one head, not two heads like a monster; that is, Christ and the Vicar of Christ, Peter and the successor of Peter, since the Lord speaking to Peter Himself said: ‘Feed my sheep’ [Jn 21:17], meaning, my sheep in general, not these, nor those in particular, whence we understand that He entrusted all to him [Peter]. Therefore, if the Greeks or others should say that they are not confided to Peter and to his successors, they must confess not being the sheep of Christ, since Our Lord says in John ‘there is one sheepfold and one shepherd.’ We are informed by the texts of the gospels that in this Church and in its power are two swords; namely, the spiritual and the temporal. For when the Apostles say: ‘Behold, here are two swords’ [Lk 22:38] that is to say, in the Church, since the Apostles were speaking, the Lord did not reply that there were too many, but sufficient. Certainly the one who denies that the temporal sword is in the power of Peter has not listened well to the word of the Lord commanding: ‘Put up thy sword into thy scabbard’ [Mt 26:52]. Both, therefore, are in the power of the Church, that is to say, the spiritual and the material sword, but the former is to be administered for the Church but the latter by the Church; the former in the hands of the priest; the latter by the hands of kings and soldiers, but at the will and sufferance of the priest.

However, one sword ought to be subordinated to the other and temporal authority, subjected to spiritual power. For since the Apostle said: ‘There is no power except from God and the things that are, are ordained of God’ [Rom 13:1-2], but they would not be ordained if one sword were not subordinated to the other and if the inferior one, as it were, were not led upwards by the other.

For, according to the Blessed Dionysius, it is a law of the divinity that the lowest things reach the highest place by intermediaries. Then, according to the order of the universe, all things are not led back to order equally and immediately, but the lowest by the intermediary, and the inferior by the superior. Hence we must recognize the more clearly that spiritual power surpasses in dignity and in nobility any temporal power whatever, as spiritual things surpass the temporal. This we see very clearly also by the payment, benediction, and consecration of the tithes, but the acceptance of power itself and by the government even of things. For with truth as our witness, it belongs to spiritual power to establish the terrestrial power and to pass judgement if it has not been good. Thus is accomplished the prophecy of Jeremias concerning the Church and the ecclesiastical power: ‘Behold to-day I have placed you over nations, and over kingdoms’ and the rest. Therefore, if the terrestrial power err, it will be judged by the spiritual power; but if a minor spiritual power err, it will be judged by a superior spiritual power; but if the highest power of all err, it can be judged only by God, and not by man, according to the testimony of the Apostle: ‘The spiritual man judgeth of all things and he himself is judged by no man’ [1 Cor 2:15]. This authority, however, (though it has been given to man and is exercised by man), is not human but rather divine, granted to Peter by a divine word and reaffirmed to him (Peter) and his successors by the One Whom Peter confessed, the Lord saying to Peter himself, ‘Whatsoever you shall bind on earth, shall be bound also in Heaven’ etc., [Mt 16:19]. Therefore whoever resists this power thus ordained by God, resists the ordinance of God [Rom 13:2], unless he invent like Manicheus two beginnings, which is false and judged by us heretical, since according to the testimony of Moses, it is not in the beginnings but in the beginning that God created heaven and earth [Gen 1:1].


Furthermore, we declare, we proclaim, we define that it is absolutely necessary for salvation that every human creature be subject to the Roman Pontiff.

http://www.romancatholicism.org
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"For, according to the Blessed Dionysius"... Quando certa jornalista pediu-me entrevista sobre o Estado laico, as pretensões eclesiásticas, etc., atendi, com a paciência que Deus me deu e que agora começa a me retirar (graças a Deus...). Comecei a explicar a relevância, nas doutrinas teocráticas, como as consignadas na Unam Sanctam, do Pseudo-Dionísio Areopagita.
"Vamos ao que interessa, professor! O papa Bento 16 tem carisma?". Quase mandei a inculta e arrogante para o Inferno. Depois meditei e admiti o óbvio ululante: ela já vive no inferno da tola ignorância. Pena que passe tal apedeutismo aos leitores. Brasil....

Roberto Romano

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