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domingo, maio 06, 2007

Correio Popular de Campinas, Domingo, 6/5/2007, Entrevista Roberto Romano

Publicada em 6/5/2007

Ediçoes especiais
Papa no Brasil - Igreja alterna entre papas pastorais e os intelectuais

Segundo o filósofo Roberto Romano, Bento XVI é o retorno à linha de alguém que “fala à elite”


Maria Teresa Costa
DA AGÊNCIA ANHANGÜERA
teresa@rac.com.br

O papa Bento XVI é um homem carismático? Pode ser, pode não ser. Na verdade, ele é o que a Igreja precisa dele nesse momento: um intelectual que fale com as elites. Tem sido assim na história moderna da Igreja, com um papa pastoral sucedendo a um papa intelectual. No passado recente, a Igreja precisou de um homem que falasse com as massas e elegeu João Paulo II. Agora tem muitas farpas para aparar, principalmente aquelas deixadas pelo último papa pastoral e que foram estabelecidas com a ajuda do próprio Bento XVI. A primeira é resultado do massacre promovido contra a Teologia da Libertação que trouxe como resultado o esvaziamento de seminários, a perseguição de padres. Hoje a Igreja se dá conta de que os padres não foram substituídos e faltam fileiras para ganhar almas. A segunda missão de Bento XVI é de buscar uma locução com o Estado num momento em que alguns temas estão na pauta, como as pesquisas genéticas, a discussão do aborto e do ensino religioso.

Nessa entrevista, o filósofo Roberto Romano analisa a conjuntura que fez de Bento XVI um papa e o que a Igreja espera dele nesse momento.

Da Agência Anhangüera — Bento XVI tem menos carisma que seu antecessor, João Paulo II?

Roberto Romano — Ao contrário de muitas linhas protestantes, de instituições políticas etc, o carisma na Igreja Católica é da instituição. Esse é um dado que notabiliza a Igreja.

O que quer dizer isso?

A Igreja é uma instituição multimilenar. Ela já tem dois mil anos e recolheu a história de praticamente 10 mil anos, de civilizações anteriores a ela. Ela é uma espécie, como diz Nietzsche, de grande enciclopédia de todas as culturas mediterrâneas. Ela é um complexo de culturas, uma síntese muito bem feita, ordenada e muito racional. Na Igreja, o indivíduo tem um lugar determinado, seja ele fiel, lá embaixo, seja o papa. Quando se escolhe um papa, por exemplo, ele tem, além de sua personalidade própria, necessariamente que cumprir o carisma da instituição. O papa, seja ele quem for, tem sempre essa função de desempenhar o papel de salvação que a Igreja tem para si mesma como sua missão. Esse é o primeiro ponto. Não existe e nem nunca existiu um papa que estivesse acima da instituição eclesial. E um elemento que chama a atenção na idade moderna é que a Igreja alterna, muito freqüentemente como papa, um intelectual, voltando para as elites, para o pensamento das ciências, para a crítica dos costumes no sentido filosófico, que é o caso de Bento XVI, e um pastoral.

Quem foram os papas pastorais e os intelectuais?

Tivemos Pio X que era um santo, que falava simplesmente com as massas etc. Depois tem Pio XI, que é um pouco mais intelectualizado, voltado para o estudo. Depois tem Pio XII, que é um papa estudioso, um diplomata frio, um teórico, um intelectual, que fundou a Academia de Ciência do Vaticano. Ele escreveu encíclica sobre a ciência. É um tipo absolutamente de elite. Isso é importante porque na Igreja você tem os pobres, a classe média, os ricos, a elite. Ela é um complexo dos opostos. Quando ela tem um papa nessa linha, consegue estabelecer diálogo com as elites econômicas, com as elites políticas e com as elites intelectuais. Então, quando ela tem um papado nessa linha, sobretudo se esse papado for longo, pode ter certeza de que os próximos serão pastorais. Foi o que ocorreu. Depois de Pio XII veio João XXIII, que era pastoral, comia macarrão, era simples, o tipo popular. Mas presta atenção: ele encarnava esse papel que correspondia a sua personalidade e que correspondia a necessidade que a Igreja tinha de diálogo com as massas. O que estava sendo discutido no mundo na eleição de João XXIII era o destino da União Soviética de um lado, dos Estados Unidos do outro e para onde iriam as massas católicas. Era preciso conquistar as massas e a personalidade de João XXIII foi importante. O carisma pessoal se uniu ao carisma institucional e ele não só fez esse trabalho de comunicação com as massas, como ele abriu o Concílio Vaticano II. Depois veio Paulo VI, intelectual, homem de ciência, quase uma versão progressista do Pio XII. Alguns chegaram a acusá-lo de fazer encíclicas que seriam um marxismo requentado. Depois puseram o “papa sorriso”. Tão sorridente que morreu um mês depois. Não agüentou a tarefa de organizar a crise interna da Igreja, porque depois do Concílio Vaticano II estouraram muitos problemas, como padres que se casavam, que se secularizaram, movimentos católicos que se esquerdizaram, enfim, uma série de problemas, sobretudo de ordem ética.

Paulo VI teve uma postura bastante rígida em relação ao mundo secular, não?

Paulo VI foi o primeiro, que foi forçado pela Igreja, a escrever a encíclica proibindo a pílula, o aborto. Todas aquelas questões gravíssimas que não conseguiram ser resolvidas pelo Paulo VI caíram no colo de João Paulo I, que estourou. Daí escolheram um bispo que era razoavelmente jovem, muito conservador e que tinha um trato com as massas muito fácil, que foi o João Paulo II. Durante seu pontificado, a presença do cardeal Ratzinger foi suprindo esse lado institucional, jurídico, político e diplomático e de repressão dos excessos internos na Igreja. Não que o João Paulo II não tivesse essa capacidade.

Então Ratzinger tratou de levar o lado intelectual a Santa Sé para que João Paulo II pudesse exercer esse papel pastoral para as grandes massas?

Justamente. O estilo do Ratzinger é muito mais próximo do Pio XII, do Paulo VI do que desses outros papas pastorais. A questão do carisma entra em linha de conta no caso do Ratzinger, mas isso não é o que a Igreja espera dele. A Igreja não está esperando que ele vá repetir a performance de andar pelo mundo inteiro, beijar terra, beijar criancinha.

O que ela espera?

Ela espera dele que consiga sanar um pouco as feridas do trator passado por ele mesmo e pelo seu antecessor, João Paulo II

Em quais questões, por exemplo?

Na Teologia da Libertação. O trator foi passado, as pessoas foram amassadas, mas se descobriu que muitos padres que deixaram a igreja nessa repressão à Teologia da Libertação não foram substituídos. Diminuiu enormemente a quantidade de padres no Brasil e na América do Sul. Como vai se resolver isso?

O senhor acha que poderá vir uma abertura para o retorno da Teologia da Libertação?

Não. Ele vem ao Brasil para apalpar um pouco a situação. A Igreja é uma instituição hierárquica e nenhum papa consegue fazer nada se não tiver na base os presbíteros, os teólogos etc. Foi feito um trabalho muito virulento, inclusive com o apoio dele, de esvaziamento dos seminários, de perseguição de padres. Agora tem que resolver um pouco essa situação. E ele vem para estudar a situação da Igreja em relação ao Estado, que tem problemas sérios que estão aparecendo, como a questão da pesquisa genética, a discussão do aborto, o ensino religioso. Ele vem manter a comunicação com as massas e isso ele consegue fazer bem, não é desprovido de simpatia. Ele não tem o brilho de artista do João Paulo II, mas tem capacidade e tem provado isso. Nas aparições na Praça de São Pedro, as multidões vão cada vez maiores.

Ou seja, ele vem cumprir uma pauta de Estado no Brasil?

E também uma pauta interna de recompor as fileiras católicas. Porque tem o problema sério da secularização católica, Os grandes centros urbanos já estão conhecendo temas como ateísmo, agnosticismo em grande quantidade. E de outro lado tem essa necessidade de tornar a igreja católica capaz de enfrentar o desafio das seitas protestantes.

As decisões recentes de seu pontificado, como chamar divórcio de praga, a discussão sobre a volta do latim na liturgia, a extinção do limbo e a controvérsia aberta pelas afirmações sobre Maomé aproximam ou afastam o papa do mundo que ele pretende conquistar?

Aí o problema é tanto a mídia, quanto a população, que desconhecem um pouco a linguagem da igreja. Uma frase que está num contexto pode ser transformada em uma grande bobagem se for retirada daquele contexto. Aquilo que ocorreu com ele na aula na universidade sobre o Islã foi uma forçação de barra muito forte por parte dos islamitas e também da imprensa. Se você ler a aula, não vê nada para ficar nem minimamente ofendido se for islamita e nem escandalizado se for católico. Esse é um ponto muito delicado. A questão do limbo, por exemplo, quase que foi aderindo a Igreja ao longo do tempo por muitas culturas. São muitas vezes elementos quase folclóricos, de tradição européia foram se incorporando. A questão foi sendo aceita pelo vigário, pelo bispo e chegou a ser definida por algum teólogo como elemento verdadeiro. Assim como no caso do culto dos santos. onde tem muitos que foram cassados porque simplesmente não existiam. O que ele fez foi simplesmente colocar no ponto a questão essencial da fé. A situação da criança, nem ele pode dizer.

Mas na questão do retorno do latim? Isso não seria um retrocesso litúrgico?

Assim como ele está tentando encontrar um jeito de colocar mercurocromo nas dores da Igreja progressista, ele também está tentando colocar mercurocromo na igreja conservadora. O movimento do monsenhor Lefreve, que chegou a ser excomungado, criou uma comoção muito grande e aí tem um ponto que é essencial, que é a questão da liturgia que a igreja não resolveu até agora. Durante milênios, se construiu uma liturgia extremamente hierárquica, onde a presença do sagrado estava muito clara, onde as músicas muito bonitas eram de cantochão. Com o Concílio Vaticano II e o fim do latim, a Igreja simplificou demasiadamente e aí não satisfaz o público interno católico. Eu sou daqueles que em vez de ir numa missa e ouvir uma música bonita, digna, eu escuto uma freirinha cantando pessimamente, com um violão vagabundo, cantando Jesus Cristo, qualquer coisa do Roberto Carlos, vou embora. Essa problemática não foi bem resolvida pela Igreja.

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