Roberto Romano Moral e Ciência. A monstruosidade no sec. XVIII
Silence et Bruit. Roberto Romano
segunda-feira, maio 07, 2007
SEM COMENTARIOS, SALVO O GESTO CATARTICO DO GAROTINHO DE OURO!!!!
ENTREVISTA DA 2ª/ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Não sou museu, estou vivo; posso rever minhas idéias
PLÍNIO FRAGA
ENVIADO ESPECIAL A CAMBRIDGE (EUA)
Novo titular da Secretaria de Ação de Longo Prazo afirma ter pensado no curto prazo ao fazer críticas na campanha eleitoral ao presidente do qual será ministro
O TITULAR da nova Secretaria Especial para Ações de Longo Prazo de Lula assume o posto admitindo ter sido imediatista e agido de acordo com interesses de curto prazo. "Errei no calor do embate", desculpa-se o filósofo e professor de direito da Universidade Harvard Roberto Mangabeira Unger, 60, ao justificar como, de opositor ferrenho ao presidente, está prestes a ser seu 36º ministro. "Não sou um museu, estou vivo. Posso rever minhas idéias", afirma.
Mangabeira deixa a universidade em que leciona há 38 anos e recebe salário anual de US$ 270 mil -cerca de R$ 44 mil por mês- para assumir um cargo que lhe pagará pouco mais de R$ 8.000 mensais.
Prega a ampliação de oportunidades econômicas e educacionais a uma "classe média emergente, inovadora, que constrói uma nova cultura de auto-ajuda e que é a vanguarda do povo" -sendo o horizonte que a maioria pobre quer seguir, cujo "ideal não é proletário, mas pequeno burguês".
Acredita que o país tem uma "força de trabalho flexível e engenhosa e que pode escapar do destino de ser uma China menos populosa, com trabalho mal-remunerado e oprimido" para se tornar conhecido como o "país da inovação".
Nos últimos anos, para aumentar sua freqüência de vindas ao Brasil e ampliar o contato com temas nacionais, ele afirma que aceitou projetos de consultorias, como o que o envolveu com o empresário Daniel Dantas, a agência de investigação Kroll e um emaranhado de acusações, em que até ministros teriam sido espionados.
"Admiro o talento analítico de Daniel Dantas. Jamais constatei de sua parte, no curso de minha consultoria, qualquer transgressão legal ou moral. Há algum tempo não falo com ele." "Vivo no paraíso [Harvard].
Mas é um paraíso perigoso. Nada me aborrece. Não sou vulnerável. No Brasil, é o oposto: em 30 segundos me quebram a couraça. Quero viver", disse Mangabeira na sala 226 do Areeda Building da Universidade Harvard, em Cambridge (Massachusetts), onde recebeu a Folha por dois dias.
Em 15 de novembro de 2005, sob o título "Pôr fim ao governo Lula", Mangabeira escreveu na coluna que mantinha na Folha: "O governo Lula é o mais corrupto de nossa história nacional. (..) Desde o primeiro dia de seu mandato, o presidente desrespeitou as instituições republicanas. Imiscuiu-se e deixou que seus mais próximos se imiscuíssem em disputas e negócios privados".
"É a única parte conhecida da minha obra", graceja hoje Mangabeira, com 17 livros publicados. Até meados de 2006, ele manteve o dedo em riste contra Lula, a quem chamou de "avesso ao estudo e ao trabalho".
Mas mudou. "O mesmo presidente que eu havia atacado em termos tão veementes me convida para participar dessa obra de transformação. Eu posso dizer não? Essa é uma concepção moral em política que eu não compartilho", justifica.
Mangabeira permanecerá, ao menos por mais duas semanas, em Harvard, corrigindo provas e monografias, no encerramento do ano letivo da universidade. Só depois que se desvencilhar das obrigações acadêmicas assume a Secretaria Especial de Ações de Longo Prazo.
FOLHA - Depois de tudo o que escreveu, quem errou ou quem mudou: o sr. ou o presidente Lula?
ROBERTO MANGABEIRA UNGER - Errei. Os fatos demonstraram que o presidente não teve envolvimento direto ou indireto naqueles episódios e que insistiu, com a energia exigida pelo cargo, na averiguação necessária. Se até hoje a nação não sabe com exatidão o que aconteceu e quem de fato tem culpa pelos desvios que hajam ocorrido, não é por conta dele.
Nossas instituições políticas falharam duas vezes. Primeiro em manter regras, principalmente de financiamento das campanhas, que deixam os partidos vulneráveis às confusões dos financiamentos e às enroscadas do dinheiro; segundo, em deixar de chegar a uma conclusão segura a respeito do ocorrido. Fica a lição pessoal de que não basta ser ardoroso, como sou. O ardor precisa ser qualificado pela humildade, pela dúvida, pela abertura de espírito.
Ao convidar a mim, que combati com veemência o seu primeiro governo, o presidente demonstrou magnanimidade, que costuma ter duas raízes: força interior e preocupação com o futuro. O mesmo presidente que eu havia atacado em termos tão veementes me convida para participar dessa obra de transformação. Eu posso dizer não? Essa é uma concepção moral em política que eu não compartilho.
FOLHA - O sr. escreveu que o presidente é "avesso ao trabalho e ao estudo". Isso também mudou?
MANGABEIRA - Fui claramente injusto com o presidente. O homem que encontrei em Brasília está possuído por um sentimento de tarefa. Não precisa ser livresco para isso.
FOLHA - Como registrou o colunista da Folha Elio Gaspari, em 22 de abril, o sr. retirou da internet o artigo em que atacava Lula. Por quê?
MANGABEIRA - É documento de combate. Desde a época em que o publiquei, circula na internet e ocupa lugar de relevo em muitos sítios. A indagação a que se põe é se eu devo continuar a divulgá-lo quando não mais expressa a minha posição. A resposta é que não devo. Seria irresponsável, frívolo, imoral manter o texto. Retirei-o do sítio, com outros textos de natureza e conteúdo semelhantes, mas não agora, e sim durante a campanha eleitoral. Não sou arquivista de mim mesmo, sou construtor de uma tarefa e de um caminho. Não sou um museu, não estou morto.
FOLHA - O sr. já foi ulyssista, brizolista, cirista e agora lulista. Não falta coerência?
MANGABEIRA - Mas nunca fui estatista nem marxista [risos]. Quero alternativa que assegure a primazia aos interesses do trabalho e da produção, que dê braços e asas à energia frustrada do país, que transforme em flexibilidade preparada o espontaneísmo inculto do nosso povo. Meu erro foi característico do pensador em política. Procurar o outro para fazer o serviço e poder voltar aos seus livros. O outro porém é outro. O meu dever é atuar diretamente.
FOLHA - O que fará a Secretaria Especial de Ações de Longo Prazo?
MANGABEIRA - A tarefa de pensar o futuro se traduz no debate de propostas concretas. Vou dar exemplos de preocupações e propostas. Falo como pensador e cidadão. Temos de dar instrumentos à energia dispersa e frustrada do país.
Em economia, um país da inovação, em educação, um ensino capacitador e, em política, uma democracia mudancista de alta energia que, sem transigir em nada de garantias constitucionais e sem enfraquecer a democracia representativa, comece pouco a pouco com grande cuidado a enriquecê-la com elementos de participação nos processos decisórios. Há certas propostas que são vistas como importantes, mas utópicas, e outras que são vistas como factíveis, mas por isso triviais.
FOLHA - Como traduzir isso em ações práticas?
MANGABEIRA - Se nós olharmos embaixo, para essa classe média emergente, temos uma nova forma associativa e de auto-ajuda no Brasil, que o país não vê. Temos que revelar isso ao país. Esse Brasil que já deu certo fornecerá diretrizes para a proposta. Criar oportunidades para a classe média emergente e permitir que a maioria a siga é uma revolução. O meio é reorganizar pouco a pouco as instituições econômicas.
FOLHA - Regulação da economia?
MANGABEIRA - Não basta regular a economia de mercado ou compensar suas desigualdades por transferências de dinheiro.
É preciso democratizar o mercado, o que significa reimaginá-lo e reorganizá-lo. Não se cumprirá essa tarefa sem construir uma grande infra-estrutura sobretudo em transporte e em comunicação, que unifique não só o Brasil como toda a América do Sul, nem sem consolidar uma base de energia que aproveita nossos recursos singulares de biomassa.
FOLHA - Quais as mudanças que o sr. defende na área política?
MANGABEIRA - Diminuir a dependência das mudanças em relação às crises. Conseguiremos isso por meio de uma democracia de alta energia, mudancista. Estímulo à participação popular nos processos decisórios. Rumo a uma democracia participativa que enriqueça a democracia representativa sem enfraquecer as suas garantias. Mecanismos para resolver impasses entre os poderes e facilitar a prática freqüente das reformas.
Nosso presidencialismo atual, copiado dos americanos, deixa o presidente forte para favorecer ou punir, mas fraco para transformar. No futuro, o caminho pode ser tanto a revisão do presidencialismo como a construção de bases para um regime parlamentar autêntico.
Fortalecer o equipamento educativo e social de cada cidadão por políticas universalizantes que não dependem da ocupação de um emprego específico.
Permitir que governos locais possam divergir das soluções gerais implantadas no país e oferecer contramodelos de outros caminhos para o país. São exemplos para uma democracia de alta energia.
FOLHA - Aumentar a participação direta significa estimular plebiscitos e referendos?
MANGABEIRA - Não necessariamente. É uma idéia entre outras. Engajamento da população nos processos decisórios, desde os níveis mais altos da política. Há países que recorrem a plebiscitos programáticos, países que permitem eleições antecipadas quando há impasse entre os poderes. Mas sobretudo participação da base nas decisões que afetam o dia-a-dia do cidadão. Sem abandonar as garantias da democracia representativa, começar pouco a pouco a enriquecê-la com traços de democracia direta.
FOLHA - Não traria instabilidade?
MANGABEIRA - Tudo tem de ser desenhado com grande cautela constitucionalista. Nosso presidencialismo foi inspirado na tradição dos EUA, que tem um desenho constitucional deliberadamente dedicado a desacelerar a política.
É um erro confundir democracia mais participativa com democracia plebiscitária. Os plebiscitos isoladamente e uma grande democratização da informação e da participação nos processos decisórios sempre trazem o risco do cesarismo.
Não proponho isoladamente plebiscitos nacionais. O que proporia é não aceitarmos o contraste paralisante entre a ortodoxia das formas políticas atuais e o salto no abismo da democracia plebiscitária.
FOLHA - O sr. critica a mistura entre política e dinheiro privado. Foi envolvido no escândalo da Kroll, suposta espionagem de membros do governo para Daniel Dantas.
MANGABEIRA - Há muitos anos combino minhas atividades acadêmicas com consultorias profissionais. Não sendo empresário ou herdeiro, precisei trabalhar como profissional, inclusive para financiar o que tanto tenho desejado, minha presença mais constante no país. Pela mesma razão, preferi as consultorias que me trouxessem ao Brasil, ainda que timidamente remunerada, a preço mais baixo do que se costuma cobrar nos EUA, por meus ex-alunos e ex-assistentes.
Mantive relações corretas e cordiais com Daniel Dantas, como mantenho em geral com os clientes. Admiro-lhe o talento analítico. Jamais constatei de sua parte, no curso de minha consultoria, qualquer transgressão legal ou moral. Há algum tempo não falo com ele.
FOLHA - Soube que ministros foram grampeados a pedido dele?
MANGABEIRA - Nunca, nunca, nunca. Por uma das atividades profissionais que desempenhei tive de considerar a possibilidade de uma ação contra uma determinada empresa e examinar relatórios da Kroll. Costumeiramente aparece nos EUA em litígios de grandes empresas. Não constatei nenhuma transgressão no que examinei.
FOLHA - O sr. terá sob seu comando o Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas). Seus pesquisadores temem aparelhamento político.
MANGABEIRA - O Ipea terá a mais absoluta independência. Cerceamento zero, aparelhamento e constrangimento zero.
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